Zimbábue introduz moeda paralela, provocando protestos da população
O Zimbábue começou a emitir uma polêmica moeda paralela que busca fomentar as exportações e aliviar a escassez aguda de dinheiro vivo, enquanto crescem os temores de que a iniciativa tenha efeito inverso ao desejado e provoque o retorno da hiperinflação que paralisou a economia do país oito anos atrás.
Em comunicado divulgado no fim de semana, o banco central do país (RBZ) anunciou que a partir de segunda-feira (28) disponibilizaria para exportadores US$ 10 milhões (R$ 34 milhões) nas chamadas notas de crédito, sob a forma de um bônus de US$ 5 (R$ 17) por cada US$ 100 (R$ 340) em exportações realizadas. As notas têm valor oficial igual ao dólar americano, uma das várias moedas estrangeiras usadas no país desde que ele abandonou sua própria moeda, em 2009. Mas a alegação do banco central de que as notas de crédito vão conservar seu valor foi recebida pela população com ceticismo generalizado.
Wilfred Kajese - 28.nov.2016/AFP Photo | ||
Homem exibe cédula sacada em banco em Harare, no Zimbábue |
Em Harare, a capital, os clientes de um banco puderam fazer saques no valor máximo de US$ 200 (R$ 680) domingo (27), dos quais US$ 150 (R$ 510) em dinheiro vivo e o restante em notas de crédito.
"Depositei dólares na minha conta e agora o banco está me obrigando a aceitar notas de crédito", queixou-se um cliente irado. "Meu dinheiro está sendo convertido ilegalmente de dólares para notas locais que só podem ser usadas neste país."
Um caixa de banco disse que a maioria dos clientes estava aceitando as notas de crédito, mas alguns as haviam recusado. Um dos maiores supermercados do país se negou a aceitar as notas; seus caixas diziam que aguardavam orientações da direção da empresa.
Se a confiança no sistema financeiro voltar a desabar, aumentarão as pressões crescentes sobre o regime do ditador Robert Mugabe, que governa o país desde sua independência do Reino Unido, em 1980, e que, aos 92 anos, é o líder mais velho do mundo.
Longas filas formaram-se diante de agências bancárias em todo o Zimbábue no sábado após o anúncio do banco central, com correntistas procurando sacar dólares de suas contas antes de ficarem "contaminados" pelas notas de crédito, nas palavras de um bancário. O banco central disse que as notas de crédito serão avalizadas por um empréstimo de US$ 200 milhões (R$ 680 milhões) do Afreximbank, do Cairo, mas o diretor do RBZ, John Mangudya, disse que o banco deve emitir muito menos que isso em notas.
Jekesai Njikizana/AFP Photo | ||
Manifestante segura cartaz com os dizeres "não ao genocídio econômico" em protesto em Harare |
As cédulas de dólar americano escassearam no Zimbábue à medida que foram deixando o país, drenando a liquidez de uma economia já enfraquecida. No final de setembro os bancos dispunham de US$ 92 milhões (R$ 312 milhões) em dinheiro vivo, enquanto um ano antes tinham US$ 255 milhões (R$ 866 milhões) em seus cofres.
Desde setembro, segundo banqueiros, o dinheiro vivo disponível vem diminuindo, levando a restrições crescentes aos saques; a maioria dos bancos limita os saques a US$ 50 (R$ 170) ou US$ 100 (R$ 340) por dia. Os bancos acreditam que dentro em breve terão que colocar notas de crédito em vez de dólares nos caixas automáticos, provocando ainda mais indignação entre o público já hostil.
Partidos oposicionistas organizaram uma manifestação pública nesta terça-feira (29). Nos últimos meses já houve vários protestos públicos contra o plano de emissão das notas de crédito.
Traduzido por CLARA ALLAIN
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