Ex-neonazistas ajudam na reabilitação de extremistas na Alemanha
Felix Benneckenstein era um astro em ascensão na extrema-direita alemã, um jovem compositor cuja guitarra feroz fazia com que o nacionalismo branco parecesse rebelde e autêntico.
Mas quando colegas neonazistas agrediram um amigo e Benneckenstein, que tinha pouco mais de 20 anos, foi parar na cadeia, dúvidas que ele havia ignorado por anos começaram a aflorar.
"Foi um despertar desagradável", ele recorda. "Você tem uma ideia sobre o que há de errado no mundo, e acredita ter descoberto verdades ocultas... e assim, perceber que tudo que você fez a você mesmo e a outros no passado tinha mentiras por base é um momento amargo."
Depois de quase uma década operando no extremo da extrema-direita, Benneckenstein hoje é parte de uma rede pequena mas efetiva de antigos neonazistas que ajudam pessoas a deixar o movimento. Espalhados pela Alemanha, eles trabalham em estreita cooperação com uma organização chamada EXIT, que oferece conselhos rápidos e sem burocracia para extremistas que não querem mais militar.
Em um momento no qual o nacionalismo extremo está em alta na Europa uma vez mais, a EXIT ajudou centenas de antigos neozistas a encontrar vida nova, de acordo com seu fundador Bernd Wagner, antigo detetive de polícia na Alemanha Oriental. Algumas das pessoas que atendem as linhas de assistência telefônica na EXIT, que tem uma organização irmã nos Estados Unidos, são eles mesmos antigos militantes de extrema-direita.
Os antigos neonazistas adotaram o nome de "Grupo de Ação" e tentam se encontrar pessoalmente pelo menos uma vez por ano. As reuniões não são divulgadas e jornalistas não são convidados porque alguns dos membros do grupo temem que sua identidade possa ser revelada a amigos e colegas que não conhecem seu passado. No mês passado, a agência de notícias Associated Press conseguiu acesso inédito a um retiro de dois dias promovido pelo grupo em um antigo centro de treinamento da polícia escondido nos bosques da Saxônia, um estado do leste do país notório pela forte presença da extrema direita.
Cerca de uma dúzia de participantes —a maioria dos quais homens e jovens— compareceu para falar do passado e discutir maneiras de atrair os companheiros que continuam a ser parte da cena neonazista.
"Ajuda muito as pessoas que elas possam falar dos velhos dias, não como guerreiros veteranos que venceram batalhas, mas sobre os erros que elas cometeram em suas vidas", disse Wagner. "Elas continuam a procurar um caminho, em uma realidade altamente complexa e diversa".
As pessoas que aderem à extrema-direita tipicamente têm muito em comum em seu histórico: interesse precoce em política, a sensação de que são excluídas ou desprivilegiadas, e raiva diante do que veem como injustiça ao seu redor.
Benneckstein tinha 13 anos quando entrou em contato com o nacionalismo branco. No começo, era mais rebelião adolescente do que simpatia genuína o que o a atraiu à extrema-direita.
"A cena nazista me parecia repelente. Meu irmão mais novo tinha síndrome de Down, e é claro que eu sabia o que aconteceu aos deficientes na era de Hitler".
Mas Benneckenstein curtia a música que seus novos amigos ouviam, e como muitos alemães jovens sentia que sua geração estava sendo injustamente punida pelos erros de seus avós. Ele se deixou iludir pelo revisionismo histórico, e chegou a negar que o Holocausto tivesse acontecido.
"Eu queria me livrar da culpa que as pessoas sentem por causa da História da Alemanha", ele disse.
Não demorou para que seus novos amigos começassem a bombardeá-lo com informações. Primeiro eles o radicalizaram, e em seguida Benneckenstein radicalizou outros seguidores. Adotando o pseudônimo Flex, ele compunha canções nacionalistas com versos como "sou criminoso porque quero mudar o mundo?" e "estou pronto a me rebelar contra tudo que estiver em nosso caminho".
Alguns dos membros de seu grupo foram presos por planejar um atentado a bomba contra um centro judaico em Munique. Benneckenstein insiste em que jamais se envolveu em casos de violência organizada, ainda que esta fosse vista como resposta legítima a ataques de manifestantes de esquerda. "Se você quer ser parte da coisa, como eu queria, é preciso estar disposto a usar a violência", ele disse.
Quando seus amigos foram atacados, Benneckenstein procurou a EXIT. Ele a namorada deixaram o movimento de extrema-direita. De lá para cá ele se tornou o homem de contato para os neonazistas arrependidos do Estado da Baviera, no sul da Alemanha.
O primeiro contato requer confiança, de parte a parte, e a disposição de ouvir o que o outro tem a dizer. Para pessoas prontas a deixar a extrema-direita de imediato, o grupo auxilia para que o façam sem dificuldades.
"E há os outros, que entram em contato para discutir a ideologia toda, o que também é um passo importante", ele disse. "Porque, se me contatam, estão contatando um traidor".
A atual situação da Alemanha deu importância maior ao trabalho do Grupo de Ação, que tem quase 40 membros. O país viu alta nos ataques contra imigrantes, e organizações de extrema-direita vêm acusando o governo de tentar importar estrangeiros deliberadamente a fim de enfraquecer ou mesmo abolir a população alemã.
Dois anos atrás, o Grupo de Ação conquistou manchetes quando convenceu o público a "patrocinar" uma marcha de extrema-direita. A ideia apanhou os neonazistas de surpresa : a cada metro que eles marchavam, 10 euros eram doados a uma campanha antinazista. A ideia foi retomada no ano passado, com pedidos de doação a uma organização que combate o discurso no ódio para compensar cada post racista no Facebook.
Para antigos neonazistas como Benneckenstein, os desdobramentos políticos recentes são preocupantes.
"Os refugiados pouco me preocupam, mas o clima que resulta disso é preocupante", ele disse. "Todo mundo pode ver que o quadro político da Alemanha está mudando, no momento".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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