Estado Islâmico guarda ouro em Mossul, sua fortaleza no Iraque
A facção terrorista Estado Islâmico pilhou bancos em 2014 e empilhou reservas de ouro em Mossul, sua principal fortaleza no Iraque. A milícia radical forjou também a sua própria moeda, o dinar, emulando o vil metal que circulava no século 7 na península Arábica.
A estratégia, vista à época como simbólica, pode garantir a sobrevivência do Estado Islâmico quando for enfim derrotado no Iraque e devolvido ao subterrâneo de onde saiu. Uma coalizão internacional tem avançado contra Mossul nos últimos meses.
"O ouro é um paraquedas financeiro que carrega bastante valor para o seu tamanho", diz à Folha Ian Oxnevad, autor de um estudo sobre a moeda do califado na Universidade da Califórnia.
"As moedas podem ser facilmente derretidas", afirma. "Ouro serve para contornar sanções econômicas. Se grandes quantidades forem convertidas, o dinheiro pode ser integrado de volta à economia de diversas maneiras, como imóveis e negócios."
As reservas de ouro permitem assim que a milícia movimente suas riquezas para pagar membros no exterior, como aqueles que realizaram os atentados terroristas de Paris em novembro de 2015.
Isso talvez explique por que as moedas, se de fato circulam, não chegam à superfície. O conteúdo metálico e as sanções econômicas —ninguém aceitaria o dinheiro da milícia— incentivariam seu derretimento.
Não há estimativas de quanto ouro o Estado Islâmico acumulou em Mossul, mas sabe-se que essa organização tem pilhas de dinheiro na cidade, um dos alvos dos ataques da coalizão internacional e do Iraque.
PROPAGANDA
O Estado Islâmico anunciou a criação do dinar em 2014, após a proclamação de seu califado. Não há provas independentes de sua circulação, exceto a propaganda da própria organização. Já se disse que as moedas são apenas cobertas com ouro, e não forjadas de metal maciço.
Mas os relatos indicam, de toda maneira, que o Estado Islâmico está usando o ouro pilhado, ainda que não seja para confeccionar moedas.
O dinar, ademais, mesmo que apenas folheado, atesta uma importante estratégia de propaganda. "Eles estão ao menos tentando aparentar seguir as regras islâmicas para as moedas", afirma Oxnevad. "Isso permite que eles mantenham as aparências enquanto lavam dinheiro."
A aparência está relacionada a uma interpretação específica da história. O Estado Islâmico afirma ser uma recriação do califado do século 7, em um mundo que esqueceu-se do "islã original".
A preocupação com a aparência pode parecer despropositada, mas a milícia estabeleceu-se justamente pela propaganda de sua "pureza".
FIDELIDADE
O Estado Islâmico argumenta, ainda, que ao circular o dinar é possível sair de um sistema financeiro corrupto e infiel, afetando o valor do dólar e ferindo potências como os EUA e a União Europeia —o que analistas dizem ser inviável.
"Boa parte desses grupos se alimenta de sentimentos 'anti-imperalistas', que demonizam tudo o que é associado aos EUA, como o sistema político ou econômico", afirma Olivia Orozco de la Torre, coordenadora de economia na Casa Árabe.
A Casa Árabe, que tem sede em Madri, é um consórcio público espanhol para a promoção das relações com o mundo árabe e muçulmano.
Mas a ideia de uma "economia islâmica" não está relacionada exclusivamente ao Estado Islâmico ou a outras organizações radicais. Tampouco é uma teoria que emula diretamente o exemplo medieval do califado.
A economia islâmica, diz Orozco, é um fenômeno contemporâneo. Surgiu no fim dos anos 1960, "buscando um modelo econômico entre capitalismo e socialismo".
Não se trata de seguir à risca "a lei islâmica", que tem diversas interpretações, mas de adaptar a economia a valores islâmicos como a justiça e o equilíbrio tendo em vista um sistema que, por exemplo, não cobre juros.
Essa tendência é especialmente marcada em países como a Malásia, que tem um mercado para bancos islâmicos e emite os "sukuk" —operações financeiras que remuneram sem pagar juros ou envolver especulação.
Em uma região da Malásia circula uma versão do dinar de ouro, que é contestado pelo governo central.
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