Equador vê fim de 'era Correa' com avanço social e cerco a instituições
Mesmo que o candidato do governo vença a eleição no Equador, cujo primeiro turno ocorre neste domingo (19), uma coisa é certa: em maio, quando terminar o mandato do atual presidente, será também o fim de um ciclo, a "década Rafael Correa".
Nem Lenín Moreno, seu herdeiro político, nem Guillermo Lasso ou Cynthia Viteri, seus opositores, têm o perfil personalista de Correa.
Eduardo Santillan Trujillo - 31.out.2015/Presidência da República | ||
O presidente do Equador, Rafael Correa |
"Todos têm algo em comum: o fato de que nenhum deles é Correa, o que já significará uma imensa mudança", diz à Folha a analista equatoriana Gabriela Polit, da Universidade do Texas.
Para os críticos, o personalismo de Correa, 53, foi sinal de arrogância e autoritarismo. Para os apoiadores, uma prova do pulso forte e de uma presença quase paternal.
Mesmo com a economia agora em recessão, ele sai do cargo com 42% de aprovação –índice alto para a América Latina, mas baixo para seu padrão, que chegou a atingir 65% na época em que o país vivia o "boom das commodities" e cujo PIB crescia a uma taxa de 7,6%.
A herança positiva desta década –Correa venceu as eleições de 2006, 2009 e 2013– está marcada, justamente, pelos bons ventos da economia. A bonança permitiu dobrar os gastos em saúde e educação, financiar moradias e planos sociais, reduzindo a pobreza de 36,7%, em 2007, para 22,9%.
Correa também investiu em infraestrutura, construindo milhares de novos quilômetros de estradas e reformando as antigas, além de inaugurar e reformar aeroportos.
Também existe um consenso na sociedade equatoriana de que a chegada de Correa foi importante para pôr fim a uma instabilidade política que já era crônica. Na década anterior, entre 1997 e 2007, o país teve nada menos que oito presidentes. Até que surgiu um novo personagem.
Economista que tinha feito pós-graduação na Bélgica e nos EUA, Correa não era ligado a nenhum partido tradicional. Quando se elegeu com uma plataforma de esquerda, Correa pegou carona no chavismo.
Mas, apesar de se alinhar com Hugo Chávez (1954-2013) e outros governos esquerdistas da região, Correa preferiu percorrer caminho próprio, voltando-se mais para dentro de seu país.
Também deixou a esquerda mais radical e migrou para o centro, fazendo alianças com o empresariado.
ASPECTOS NEGATIVOS
Se as melhorias na vida dos pobres logo se fizeram sentir, o país foi perdendo em outros aspectos. Especialistas apontam para 2010 como o ponto em que Correa passou a centralizar o poder e a avançar contra as instituições.
O estopim teria sido a crise da polícia em 2010 –uma rebelião de oficiais reprimida de forma dura pelo governo. O presidente disse ter sido vítima de um golpe de Estado. A partir daí, limitou os poderes da Justiça e acirrou o cerco à imprensa.
Por outro lado, já sentindo a desaceleração da economia mundial, Correa fez concessões a empresas chinesas para ampliar a exploração de minas em territórios indígenas. Houve protestos no interior, e Correa passou a favorecer organizações e sindicatos que se alinhassem a ele.
Na reta final de seu governo, estouraram os escândalos da empreiteira brasileira Odebrecht, envolvendo obras contratadas durante seu mandato e o da Petroecuador, petrolífera do Estado acusada de desvio de recursos.
A degradação da economia e o desgaste de sua imagem estão por trás da decisão de Correa de não concorrer a um quarto mandato –algo a que estaria habilitado, uma vez que aprovou tal recurso em 2015. Ele decidiu que dedicará tempo à sua família. Casado há mais de 20 anos com a belga Anne Malherbe, e com dois de seus três filhos vivendo na França, Correa anunciou que irá morar na Europa.
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