No poder, republicanos mostram divisão política que atrapalha governo
Seis semanas depois de iniciado seu governo unificado, os líderes republicanos estão no mesmo lugar onde estavam durante os anos do governo Obama –sendo atacados por conservadores por cederem demais em questões cruciais de política pública.
A investida do partido para desmontar o Obamacare, programa de saúde acessível, e ao mesmo tempo evitar grandes perdas de cobertura –prioridade reforçada pelo presidente Donald Trump em seu discurso ao Congress na terça-feira (28)–enfrenta resistência especial por parte da direita republicana. Essa oposição determinada desorganizou o esforço do partido para revogar a lei e gerou incerteza sobre o que eliminar e como pagar por qualquer sistema de saúde alternativo.
Esta semana três senadores republicanos disseram que votarão apenas por uma revogação direta da lei, apesar da relutância de vários colegas em fazê-lo, receosos de cortar o acesso de seus eleitores a planos de saúde. Como os republicanos têm uma maioria pequena no Senado, com apenas 52 cadeiras, bastariam esses três senadores –Rand Paul, do Kentucky, Ted Cruz, do Texas, e Mike Lee, do Utah– para inviabilizar uma medida republicana à qual todos os senadores democratas vão se opor. Na Câmara, também se preparam para votar contra propostas emergentes de revogação e substituição da Obamacare deputados conservadores em número suficiente para negar à bancada republicana os votos necessários para aprovar a medida, uma de suas principais prioridades.
"Somos uma força que precisa ser levada em conta", declarou Rand Paul, que orquestrou a resistência coordenada com as facções ultraconservadoras na Câmara dos Deputados.
Os conservadores republicanos também estão preocupados com o fato de Trump ter indicado repentinamente que pode estar aberto a uma reforma da imigração que leve milhões de imigrantes não autorizados a ganhar status legal no país. E uma rejeição rápida pelos líderes republicanos de muitos dos cortes propostos por Trump no orçamento, por serem vistos como inalcançáveis, provavelmente tampouco será bem recebida.
Essa situação não estava prevista, considerando que pela primeira vez desde 2006 os republicanos controlam o Congresso e a Casa Branca. Eles estavam certos de que desta vez teriam a força necessária para implementar sua agenda. Mas, assim como Trump descobriu que rever a lei de saúde é "incrivelmente complexo", os republicanos estão descobrindo que estar no comando não significa que estejam todos em sintonia.
A situação emergente traz ecos dos desafios enfrentados pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, o republicano John Boehner, quando tentou pressionar deputados conservadores resistentes a votar por pacotes de gastos públicos e imigração moderados. Sua incapacidade de fazê-lo ajudou a derrubar um acordo importante sobre os gastos do governo, desencadeando uma paralisia do governo, e terminou com os conservadores forçando seu afastamento.
Apesar de estar aposentado, Boehner pode ter ajudado a alimentar esta revolta mais recente. O deputado republicano do Ohio Jim Jordan, líder da bancada conservadora na Câmara, que entrou em choque com Boehner em diversas ocasiões, observou amargamente na terça-feira que o ex-presidente da Câmara está prevendo que os republicanos não vão conseguir revogar a lei de acesso à saúde. Jordan pareceu ansioso para desmentir a previsão.
"Foi isso que dissemos aos eleitores que faríamos", ele explicou, aludindo ao esforço para revogar completamente a Obamacare.
Os conservadores estão cada vez mais preocupados com a discussão de algo que descrevem ironicamente como "Obamacare light" –esforços para manter parte dos dispositivos da lei e "consertar" o Obamacare, em lugar de derrubá-la por completo. Eles reclamam que uma abordagem defendida por alguns redatores de política de saúde na Câmara prevê a imposição de novos impostos sobre os seguros de saúde oferecidos por empregadores e interfere em uma parte do mercado que está funcionando bem. E não veem com bons olhos um plano de crédito fiscal endossado por Trump em seu discurso. Eles defendem o enfoque mais movido pelo mercado que foi aprovado pelos republicanos em 2015.
Mas essa legislação foi redigida quando Barack Obama era presidente e era certo que ele vetasse qualquer revogação, fato que possibilitou aos republicanos atacar a lei como bem entendessem. Agora eles e seus eleitores terão que enfrentar as consequências de qualquer medida que venha substituir o Obamacare, e os parlamentares temem uma possível reação negativa se as consequências forem prejudiciais. Muitos republicanos podem ter dito que as multidões nos encontros públicos irados promovidos durante o recesso parlamentar recente foram organizadas por seus adversários políticos, mas isso não significa que os republicanos não tenham prestado atenção a elas.
Diante desse nervosismo, Rand Paul está lembrando aos republicanos que a principal razão das vitórias eleitorais do partido em 2010, 2014 e 2016 foi a promessa clara de acabar com a lei de acesso à saúde.
"Eles [os eleitores] não nos disseram para revogar, mas para conservar a ampliação do Medicaid", disse Jordan, referindo-se ao programa de auxíllio-saúde para pessoas de baixa renda.
Mas, assim como os conservadores insistem que os republicanos devem revogar a Obamacare antes de substituí-la, outros republicanos, mais centristas, ameaçam não votar com o partido se não houver uma alternativa adequada à lei já pronta.
Essa divisão está criando uma dor de cabeça grande para líderes republicanos como o presidente da Câmara, Paul Ryan, e Mitch McConnell, do Kentucky, líder da maioria republicana no Senado. Eles terão que encontrar algo que a maioria dos parlamentares republicanos possa endossar.
Eles dizem que encontrarão uma solução eventualmente, mas sabem que têm problemas sérios no momento. McConnell convocou uma reunião especial dos senadores republicanos na quarta-feira (1º) para ouvir os planos dos presidentes dos comitês da Câmara e tentar discutir as diferenças internas acirradas.
"O objetivo é que a administração, a Câmara e o Senado tenham a mesma posição", disse McConnell. "Ainda não chegamos lá. Há muita discussão sobre como forjar essa posição unificada, que combinação de legislação e regulamentação nos levarão onde queremos chegar."
Isso está muito longe das promessas confiantes de que a rejeitada lei de acesso à saúde seria revogada assim que os republicanos tomassem posse. Agora os conservadores, pressentindo um recuo entre seus colegas, querem novamente usar seus representantes para ditar o resultado de sua preferência. A história parece estar se repetindo no Capitólio.
Tradução de CLARA ALLAIN
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