Tática britânica de combate ao terror é abusiva e ineficaz, diz ONU
Toby Melville - 27.abr.2017/Reuters | ||
Suspeito é detido pela polícia de Londres |
O Reino Unido está passando por uma sutil, mas alarmante, transição na direção de criminalizar o protesto pacífico e a liberdade de expressão, de acordo com um relatório da ONU divulgado na segunda-feira (29), que compara o país a um Estado "Big Brother", de vigilância e suspeita.
O relatório fortemente crítico cobre muitas políticas introduzidas pela primeira-ministra Theresa May em sua função anterior como secretária do Interior, e surge dez dias antes de uma eleição geral que, de acordo com as pesquisas de opinião pública, May pode vencer por pequena margem.
O relatório, datado de 24 de maio, foi escrito antes do atentado que matou 22 pessoas em um show pop em Manchester, e não faz referência ao ataque. O atentado levou a uma revisão interna de como os serviços de segurança britânicos lidam com informações quanto a suspeitos.
O MI5, serviço de segurança britânico, havia identificado Salman Abedi como possível radical, mas ele não estava sob vigilância, disse uma fonte à Reuters. É altamente incomum que as autoridades confirmem uma investigação interna sobre possíveis lapsos dos serviços de segurança.
Pouco depois do ataque, fontes da polícia de Manchester disseram à Reuters que acreditavam que a segurança de Londres –a 250 quilômetros ao sul de Manchester– havia sido priorizada, enquanto cortes nas verbas da polícia em outras cidades resultaram em redução de efetivos e em oportunidades de carreira menos atraentes para os policiais.
Um porta-voz da Secretaria do Interior britânica se recusou a comentar sobre o relatório da ONU, mencionando as restrições aos pronunciamentos de funcionários públicos em período de campanha eleitoral.
Escrito por Maina Kiai, até o mês passado relator especial da ONU sobre a liberdade de reunião pacífica, o relatório disse que a sociedade civil britânica representava um "tesouro nacional" agora em risco por conta das táticas da polícia, da legislação de combate ao terrorismo e das restrições às organizações assistenciais e sindicatos.
A estratégia britânica de combate ao terrorismo, conhecida como "Prevent", é inerentemente falha, de acordo com o relatório.
"No geral, parece que a Prevent está tendo efeito oposto ao pretendido. Ao dividir, estigmatizar e alienar porções da população, a Prevent pode terminar incentivando o extremismo em lugar de combatê-lo", escreveu Kiai.
"Estudantes, ativistas e membros de organizações de fundo religioso relataram inúmeros exemplos de implementação do programa de uma forma que se traduz simplesmente em discriminação racial, ideológica, cultura e religiosa crua, com os efeitos concomitantes sobre a liberdade de associação de determinados grupos."
REDE AMPLA DEMAIS
Os serviços de segurança britânicos usam uma rede ampla demais em sua busca de potenciais terroristas, de acordo com o relatório da ONU.
Kiai escreveu ter sido informado de que a polícia pode ter usado sistemas de "captura de identidade de assinantes de telefonia móvel internacional" para recolher informações de celulares de manifestantes durante protestos pacíficos em Birmingham, Londres, Leicester e no País de Gales, no ano passado, o que segundo ele constitui violação do direito de privacidade das pessoas visadas.
O documento, que será debatido no Conselho de Direitos Humanos da ONU no mês que vem, se segue a um relatório crítico ao policiamento do Reino Unido que Kiai escreveu em 2013. De lá para cá, o Reino Unido seguiu algumas das recomendações do relatório, mas também introduziu algumas medidas restritivas.
"Em muitos casos, essas medidas foram sutis e graduais, mas são tão inconfundíveis quanto alarmantes", escreveu Kiai.
"O espectro do Big Brother é tão grande, de fato, que algumas famílias temem até discutir os efeitos negativos do terrorismo dentro de suas casas, por medo de que seus filhos falem a respeito na escola e com isso levem a interpretações incorretas sobre as intenções da conversa."
Em novembro do ano passado, o Reino Unido aprovou uma nova Lei de Poderes Investigativos, com "poderes intrusivos que certamente terão impacto negativo sobre atividades legítimas da sociedade civil e de ativistas políticos, de pessoas que denunciam irregularidades, de organizadores e participantes de protestos pacíficos, e de muitos outros indivíduos que buscam exercer suas liberdades fundamentais".
O relatório insta o Parlamento britânico a não aprovar um projeto de lei de combate ao extremismo considerado "altamente problemático", com uma missão vaga de reprimir o "extremismo não violento".
"Mesmo representantes do governo tiveram dificuldade de definir o termo, o que sinaliza um vasto potencial para interpretação arbitrária e abusiva", escreveu Kiai.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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