Flavio Flores da Cunha Bierrenbach: O terrorismo e seus caminhos
O terrorismo é velho e velhaco. Se a história estiver certa, pode-se classificar como terroristas, com critérios atuais, fatos antiquíssimos, massacres de pessoas indiscriminadas que marcaram os prontuários de figuras execrandas, como Nero e Átila; vamos ficar por aqui.
Desde tempos remotos, o terrorismo desencadeia uma avalanche irracional, na lógica da ação e reação, do olho por olho, que leva todos à cegueira. Da Antiguidade clássica à moderna astronomia, "phobos" (medo) e "deimos" (terror) são os satélites de Marte, o deus da guerra.
O conceito de terror --referido por Maquiavel, embora já praticado desde a Roma dos pontífices até as vendetas sicilianas--, entretanto, só entrou para os dicionários como categoria política, conforme autorizada opinião de Norberto Bobbio, depois da Revolução Francesa, no período assim denominado, liderado por Robespierre e Saint-Just.
Depois, com o correr do século das luzes, a ferrugem foi atacando a lâmina da guilhotina.
O adjetivo terrorista, por sua vez, passou a ser corriqueiramente empregado de modo difuso, a partir do século 19, para qualificar autores de atentados de diversos tipos, como o assassinato do arquiduque Ferdinando, em Sarajevo, que precipitou a Primeira Guerra Mundial.
A partir daí adquiriu diversas conotações. O nazifascismo, nos anos 1930, e possivelmente todas as ditaduras desde então não hesitaram em classificar genericamente seus opositores como terroristas. Não faz muito tempo, na Espanha, o regime de Francisco Franco ainda os matava no "garrote vil".
Por outro lado, a experiência mais recente da humanidade permitiu que a ciência política e o senso comum evoluíssem para considerar terrorismo de Estado o regime de violência instituído por um governo para manter o povo submisso.
O mundo atual tem acrescentado novos componentes ao tema. Entretanto não existe definição jurídica para o crime de terrorismo.
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Com a queda das Torres Gêmeas, em setembro de 2001, o terrorismo inaugurou a globalização do fanatismo. Com imprevisibilidade, ubiquidade e inclemência, vem demonstrando que o mundo ocidental carece de instrumentos legais eficazes para combater a maior ameaça que paira sobre a civilização neste início de milênio.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 4º, diz que o repúdio ao terrorismo constitui um dos princípios fundamentais que regem as relações internacionais do Brasil. Em 2003, vítima do terrorismo, morreu em Bagdá um eminente brasileiro, o diplomata Sérgio Vieira de Mello, no desempenho da função de mais alto representante das Nações Unidas no Iraque.
O fato é que o terrorismo atinge exatamente seus objetivos quando detona uma reação em cadeia, que provoca a redução da taxa de liberdades democráticas, numa dupla mão de direção, perversa nos dois sentidos, pelo invariável retrocesso na política de direitos humanos.
Hoje, o que caracteriza basicamente o terrorismo é o aleatório de suas vítimas. Constitui grande desafio aos juristas a construção teórica de uma proposta de tipificação homogênea para o crime de terrorismo, antes que a potência hegemônica, contaminada pelas circunstâncias, acabe logrando impor a sua.
FLAVIO FLORES DA CUNHA BIERRENBACH, 73, ministro aposentado do Superior Tribunal Militar, foi procurador do Estado de São Paulo e deputado federal (PMDB-SP)
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