Juana Kweitel e Rafael Custódio: A Copa das Tropas
O Congresso Nacional, com apoio do Executivo, acelerou nos últimos dias a tramitação de vários projetos de lei que visam criar o crime de terrorismo no Brasil. A aprovação das propostas é encarada pelo governo como medida urgente para a realização Copa do Mundo.
No mesmo sentido, propostas de tipificação do crime de desordem também têm recebido apoio do governo federal.
É inegável que o discurso oficial sobre os temas parte da premissa de que um torneio de futebol é mais importante que o livre exercício de direitos constitucionais dos cidadãos, como a liberdade de expressão e a liberdade de manifestação. E parece não importar que todas as condutas que seriam tipificadas sob esses rótulos já encontram equivalentes nas leis penais e processuais existentes no Brasil.
Um dos maiores problemas que envolve a tipificação do crime de terrorismo é que, sob esse pretexto, as garantias e direitos individuais dos suspeitos poderiam ser reduzidas.
Até o conceito de suspeito tem sido amplamente dilatado, com critérios pouco objetivos para a identificação de "terroristas".
Não é difícil identificar quem serão os inimigos da vez: os movimentos sociais. Isso porque causar terror é uma conduta definida, em geral, como gerar pânico ou medo na população. São conceitos absolutamente subjetivos que variam conforme o lugar, o contexto e as pessoas envolvidas.
Esse tipo de desvirtuamento aconteceu no Chile, onde integrantes de movimentos estudantis foram indiciados e processados por terrorismo.
No Brasil, onde movimentos reivindicatórios de toda natureza são numerosos, constantes e, diga-se, presumidamente legítimos, a discussão sobre um assunto tão delicado deveria ser feita com serenidade e prudência, não a toque de caixa por causa de um evento privado.
Em um momento em que só se fala em repressão, é importante notar que não vimos, desde o início das grandes manifestações em junho de 2013, qualquer disposição dos governos em concretizar os valores da democracia e respeito aos direitos humanos.
Essa postura negligente e omissa do Estado colabora com a reafirmação da sensação de injustiça que faz com que parte dos cidadãos reaja, às vezes, com intransigência nas ruas.
No ano em que o golpe de 1964 completa 50 anos, é com gosto amargo que um pacote legislativo que remonta aos tempos sombrios da ditadura vem sendo enfiado goela abaixo. É a Copa das Tropas.
JUANA KWEITEL, 40, é diretora da ONG Conectas de Direitos Humanos,
RAFAEL CUSTÓDIO, 31, é coordenador da ONG Conectas Direitos Humanos
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