Editorial: Represar as palavras
Com a valentia típica dos comentários na internet, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), afirmou por uma rede social que jamais permitirá a retirada de água que abastece o povo de seu Estado nem autorizará nada que, nessa área, prejudique residências e empresas fluminenses.
As declarações, feitas na semana passada, surgiram como reação à proposta do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), de interligar o sistema Cantareira à bacia do Paraíba do Sul, que também alimenta o RJ e Minas Gerais.
Responsável pela água de quase 9 milhões de pessoas na Grande São Paulo, o Cantareira sofre com a falta de chuvas e o calor. O atual volume armazenado de suas represas é o mais baixo da história.
Daí o risco de racionamento e a movimentação de Alckmin em busca de soluções. O tucano, decerto aflito com a crise hídrica em ano eleitoral, até deixou de lado sua conhecida discrição para rebater as palavras de Cabral, dizendo que a água em disputa é dos paulistas.
A eloquência dos governadores talvez satisfaça os bairristas e renda algum fruto político, mas de nada servirá para decidir o conflito, cuja solução deve ser técnica.
Independentemente de seu desfecho, a contenda chama a atenção para um ponto com frequência negligenciado: a garantia da oferta de água à população urbana brasileira. E, a julgar por estudos da Agência Nacional de Águas, controvérsias como a de Geraldo Alckmin e Sérgio Cabral podem se tornar rotineiras num futuro próximo.
Embora disponha do maior estoque de água doce do planeta –cerca de 12% das reservas mundiais–, o Brasil não está livre de dificuldades nessa área. Em torno de 80% de sua disponibilidade hídrica está na região amazônica, deixando o restante do território em situação pouco confortável.
Segundo o "Atlas Brasil - Abastecimento Urbano de Água", de 2010, a demanda atual por recursos hídricos já é bastante próxima à capacidade total dos sistemas produtores do país. Até o ano que vem, poderão ter abastecimento deficitário nada menos que 55% dos municípios, onde se concentram 73% da procura por água.
A fim de promover a segurança hídrica até 2025, o "Atlas" propõe uma série de medidas a serem implementadas pelas unidades da Federação até 2015. Os investimentos previstos, R$ 22,2 bilhões, estão em sua maioria justamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, além da Bahia e de Pernambuco.
As dez maiores regiões metropolitanas não têm agido com a urgência que o teme pede. De acordo com o jornal "O Globo", das 16 obras mais importantes citadas no "Atlas", só cinco estão concluídas.
Trata-se, como se vê, de um problema nacional, e não de briga de vizinhos. Quanto antes todos os governantes perceberem que a água, mesmo no Brasil, é um bem escasso, melhor para a população.
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