Breno Castro Alves e Augusto Aneas: Não é só o Parque Augusta
Nos últimos meses, as bilionárias incorporadoras Setin e Cyrella lançaram uma agressiva campanha para valorização do terreno onde fica o Parque Augusta. Há um ano, quando o assunto voltou a esquentar, a área foi estimada em R$ 70 milhões, rapidamente chegou aos R$ 100 milhões e agora está batendo R$ 200 milhões, como relatado por matéria desta Folha ("Parque Augusta pode abrir em meio a obras", 06/5, "Cotidiano").
A valorização de 185% em um ano está justificada. Uma série de impedimentos legais inviabilizam as propostas das construtoras, a saber:
A lei nº 345/2006, aprovada por Haddad em dezembro do ano passado, garante a construção do parque em "em área de jurisdição da subprefeitura da Sé, localizada na confluência da rua Augusta com rua Caio Prado e rua Marques de Paranaguá"; o novo Plano Diretor dobra a área total de parques na cidade e inclui o Parque Augusta como Zepam, Zona Especial de Proteção Ambiental; o Termo de Ajustamento de Conduta exigido pela Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente prevê reflorestamento na área onde as construtoras querem torres; as irregularidades na preservação do patrimônio no processo aprovado no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp); o capítulo 5 da Constituição, que assegura o direito de preservação dessa área em âmbito nacional.
Além disso, certamente pesam entre os acionistas das incorporadas as constatações que: a) essas leis e dispositivos que asseguram o parque 100% público ainda tem pouca visibilidade; b) a mobilização popular ao redor do parque só valoriza seu valor de mercado; c) o descaso ambiental e do patrimônio lá dentro está ficando óbvio; d) o valor venal, que é a estimativa pública para desapropriação, começou o ano batendo R$ 32 milhões; e) além disso, a Copa vai acabar; f) a bolha imobiliária vai estourar; g) melhor vender o elefante branco enquanto tem valor de mercado.
Ao mesmo tempo, do outro lado se acumulam argumentos legais, ambientais, sociais, culturais e educacionais tão simples como óbvios: cumprimento das leis federais, estaduais e municipais; preservação da mata atlântica, permeabilidade do solo, controle da temperatura e da poluição do ar; abrigo para as expressões culturais; o direito de pisar na terra; espaço para conscientização ambiental e suporte à rede pública de educação; qualidade de vida; saúde mental; participação popular legítima.
O novo Plano Diretor utiliza a Zepam para preservar o Parque Augusta e outros 160 parques municipais. O que estamos propondo debater é o tipo de parque que queremos para a cidade.
Entendemos que os 25 mil m² de mata atlântica viva do Parque Augusta são apenas uma primeira experiência possível, potência de um grupo que propõe construir, em parceria com a prefeitura, novas possibilidades de gestão popular para áreas verdes.
Não são apenas 20 centavos. Não é só o Parque Augusta.
Em março, participamos da criação da Rede Novos Parques SP, que teve início após ato em frente à prefeitura com a presença de ativistas dos parques Águas Espraiadas, Brasilândia, Embu-Mirim, Minhocão, Augusta, Mooca, Morro do Querosene, Peruche, Pinheiros e Vila Ema.
Essa rede nasce com a proposta de desenvolver uma política pública que, primeiro, garanta a integridade física das áreas verdes da cidade e, segundo, reconheça as pessoas ao redor de cada parque, praça, horta e calçada como atores fundamentais em qualquer processo de criação, organização e/ou gestão destes espaços públicos.
Porque a vida também é parque
BRENO CASTRO ALVES, 30, jornalista e cartógrafo e AUGUSTO ANEAS, 30, arquiteto, são membros dos coletivos Rede Novos Parques SP e parqueaugusta.cc
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PARTICIPAÇÃO
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