Pedro Trengrouse: Os problemas do esporte no Brasil
Ironicamente, a Constituição de 1988 garantiu a autonomia de organização e funcionamento para estruturas esportivas criadas pelo Estado Novo no Código Nacional de Desportos (decreto-lei nº. 3.199/41).
Mas será que esse modelo de clubes e ligas municipais constituindo federações estaduais, que por sua vez constituem confederações nacionais, é o mais adequado? Será que todas as modalidades esportivas podem se organizar da mesma forma?
O Brasil vive uma democracia cada vez mais substantiva e remendos nas estruturas criadas pela ditadura para o esporte brasileiro não são suficientes. O que o país carece é de uma nova Lei Geral para o Esporte.
O projeto que nasceu batizado de Proforte e agora se chama Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, atualmente em discussão no Congresso Nacional e que conta com o apoio da Presidência da República, é importantíssimo para equacionar os passivos fiscais dos clubes, mas está longe de resolver os problemas crônicos que lhes deram origem.
A partir de 1970, com a cobertura da televisão, houve uma grande transformação no esporte em geral e no futebol em particular. O que era basicamente uma atividade lúdica transformou-se num grande negócio.
Em 1975, durante a ditadura militar, o Congresso resolveu tratar do esporte na lei nº. 6.251, fixando o mandato de dirigentes esportivos em três anos com apenas uma reeleição. O tema voltou a ser objeto de lei em 2013, mas o voto unitário das entidades dirigentes foi mantido -o que significa, por exemplo, que nas eleições para a presidência CBF o voto da Federação de Futebol do Acre e da Federação Paulista têm o mesmo peso, criando um descompasso na representatividade das entidades. Permaneceu inalterada, também, a composição do conselho deliberativo de boa parte dos clubes.
Acontece que os clubes não mais se resumem aos seus sócios e sedes sociais. Os atletas reclamam mais participação, os torcedores querem mais atenção e a sociedade requer mais transparência e eficiência.
Considerando que a maioria de seus recursos vem da torcida, que lhe dá audiência e compra seus produtos, é razoável, por exemplo, que o presidente de um clube como o Flamengo, que representa 40 milhões de pessoas, seja eleito com 1.414 votos?
A consolidação e o parcelamento das dívidas dos clubes e, principalmente, as contrapartidas de gestão que se pretende exigir deles são fundamentais nesse momento, mas todo cuidado é pouco.
O esforço do Congresso nem sempre encontra eco na sociedade. O Estatuto do Torcedor, a Lei Zico e a Lei Pelé, por exemplo, embora importantes em vários aspectos, fracassaram nas transformações estruturais a que se propuseram.
Outro caso emblemático é a Timemania, que levou os clubes a confessar dívidas que não tinham com a promessa de que a Caixa arrecadaria R$ 520 milhões por ano, o que até hoje não ocorreu. O Congresso fez a sua parte, os clubes acreditaram no governo e saíram numa situação pior do que entraram.
Além de motivar a construção de estádios e equipamentos esportivos, a Copa do Mundo e as Olimpíadas deveriam servir para promover mudanças estruturais no esporte brasileiro. Afinal, os desafios do século 21 são bem diferentes daqueles do passado e não é possível enfrentá-los na democracia com estruturas herdadas da ditadura.
PEDRO TRENGROUSE, 34, professor de direito desportivo da Fundação Getulio Vargas, foi consultor da ONU (Organizações das Nações Unidas) para legislação esportiva
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