O desempenho da seleção influenciará a eleição? Não
RONALDO GEORGE HELAL: TORCEDORES POLITIZADOS
Na Copa do Mundo no México, em 1970, a ditadura militar procurou imprimir otimismo ao povo brasileiro. O hino ufanista escolhido pelos patrocinadores das transmissões dos jogos incentivava a união: "Todos juntos, vamos pra frente, Brasil / Salve a seleção!".
Daquela Copa, que acontecia somente dois anos depois da decretação do duríssimo ato institucional nº 5, com a população proibida de manifestar-se politicamente, o Brasil saiu tricampeão mundial.
Muito mais que a precisão do toque de Rivellino ou a genialidade de Pelé, era o "milagre econômico" que mantinha a população "sob controle". A censura, as mortes e torturas não teriam deixado de ocorrer por um eventual insucesso da seleção.
Há hoje um sentimento por parte de alguns setores da sociedade de que a vitória ou derrota da seleção seria também a vitória ou derrota do governo. Esse sentimento não corresponde à realidade. Os dados empíricos são categóricos.
Na França, em 1998, perdemos a final por 3 a 0 para os donos da casa, e o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi reeleito no primeiro turno, surfando no sucesso da estabilização da economia. Em 2002, quando a Copa ocorreu no Japão e na Coreia do Sul, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo e Rivaldo nos fizeram pentacampeões, e Lula (PT), candidato da oposição, venceu o pleito presidencial.
Já em 2006, na Alemanha, mesmo com a queda da seleção nas quartas de final diante, novamente, da França, Lula se reelegeu. Em 2010, o Brasil perdeu de virada, também nas quartas, para a Holanda e Lula, embalado pela popularidade obtida durante seu governo, conseguiu fazer de Dilma Rousseff (PT) sua sucessora.
Políticos se utilizam sim do futebol, mas esse esforço é pouco efetivo. No caso da Copa do Mundo no Brasil, o que pode impactar as eleições é uma possível falha grave na organização ou uma crítica bem feita ao legado que o evento provavelmente não deixará.
Já uma eventual derrota do time nacional não resultaria em votos para um ou outro candidato até porque o envolvimento do torcedor com a seleção não é mais o mesmo do tempo de Nelson Rodrigues, autor da célebre expressão "pátria de chuteiras". Diferentemente das seleções de décadas anteriores, hoje a maioria dos nossos jogadores atua em clubes na Europa. Por este e outros motivos, boa parte dos torcedores prefere torcer pelos clubes de seus Estados a vibrar pela seleção.
A própria Fifa tem ciência de que o sucesso da competição depende de um faz de conta: a Copa seria um "duelo de nações". Daí, por exemplo, o famoso gol de mão marcado por Maradona contra a Inglaterra na Copa de 1986, no México, ser encarado por alguns argentinos como "vingança" pelas Malvinas. As ilhas, contudo, continuam ainda hoje súditas da rainha.
A relevância política da competição, portanto, é relativa.
O argumento segundo o qual o futebol é o "ópio do povo" também deve ser posto em perspectiva. Se o esporte é um fator de alienação, como explicar as campanhas contra o racismo que partem dos estádios, ou o fortalecimento das manifestações de junho passado justamente durante a Copa das Confederações? Uma coisa não exclui a outra: um fã de futebol pode ser politizado.
No fim das contas, o que parece pesar hoje nas eleições são os projetos sociais conduzidos por um governo, e não pretendo discutir aqui se eles são ou não populistas. O Bolsa Família, por exemplo, enquanto for percebido como uma política de governo, e não de Estado, seria um desses programas que podem decidir uma eleição.
RONALDO GEORGE HELAL, 58, doutor em sociologia pela Universidade de Nova York, é professor associado de comunicação e coordenador do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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