Bruce Babbitt e Thomas Lovejoy: Uma morte prenunciada
Foi uma morte prenunciada por anos de avisos e ameaças repetidas. A previsão se concretizou este mês, quando pistoleiros desconhecidos emboscaram e assassinaram Edwin Chota, o líder peruano dos Ashaninka do rio Tamaya, juntamente com três de seus companheiros, numa floresta remota perto da fronteira com o Brasil.
O horror desse acontecimento traz à memória a recordação de outro assassinato ocorrido no Brasil, em Xapuri, em 1988 –a morte de Chico Mendes.
Vinte e seis anos depois desse evento, podemos observar com orgulho que Chico Mendes não morreu em vão. Depois de seu assassinato, o Brasil reagiu à sua própria consciência e à opinião mundial com reformas fortes de suas leis florestais, incluindo a criação de reservas extrativistas (áreas reservadas aos moradores locais para a extração da borracha e castanha), de mais reservas indígenas e outras áreas de proteção.
A questão que se coloca agora para o presidente Humala é se o Peru conseguirá honrar a memória de Edwin Chota e redimir-se dessa tragédia, seguindo o exemplo dado pelo Brasil.
Conhecíamos Edwin Chota de nosso trabalho na Amazônia nos últimos dez anos. Ele era um Chico Mendes de seu tempo –um decente e honorável defensor dos direitos humanos básicos em seu cantinho do mundo. O horror de sua morte não pode ficar restrito à selva remota do norte do Peru.
O povo Ashaninka peruano vive na região da nascente do rio Tamaya, onde tinha sido esquecido e passado despercebido até que uma nova ameaça, sob a forma da demanda mundial por mogno e outras madeiras de lei tropicais, começou a estender seus tentáculos até sua região remota.
Nas últimas décadas, enquanto madeireiras e traficantes de cocaína foram ocupando a região, os Ashaninka foram se tornando fugitivos em sua própria terra, vivendo sob a constante ameaça de ser escravizados para trabalhar nos campos de derrubada de madeira. Foram pressionados a trabalhar como guias e ameaçados de violência contra suas famílias.
Em vários momentos Chota e seus seguidores foram forçados a atravessar a fronteira para a relativa segurança do Brasil, onde o governo criou a reserva de Apiwtxa e enviou a Polícia Federal para retirar as madeireiras.
Em 2002, Chota e seu povo começaram a enviar petições ao governo peruano, reivindicando a criação de uma reserva protegida do lado peruano. Recusando-se a se armar, munidos apenas de facões, Chota pressionou as autoridades a dar aos Ashaninka os títulos de propriedade das terras que ocupam, insistindo que elas "seriam defendidas mais bem por mapas que por armas de fogo".
Com a ajuda de ONGs peruanas, aliados indígenas e apoiadores internacionais, os Ashaninka concluíram o trabalho técnico detalhado de delinear os limites de sua terra e registraram o pedido de reconhecimento delas.
Contudo, depois de mais de dez anos tentando, ainda não conseguiram persuadir o governo regional em Puccalpa ou o governo nacional em Lima a agir. Seus líderes eleitos os abandonaram completamente. Falaram mais alto o dinheiro e a influência das madeireiras, das serrarias e de outros participantes na cadeia escusa da exportação de mogno aos Estados Unidos e Europa.
O presidente Humala prometeu uma investigação completa. Para reparar essa tragédia, o governo peruano precisa começar por levar os responsáveis à justiça.
Até agora, porém, as autoridades peruanas estão guardando silêncio quanto às reformas necessárias para frear a onda de violência que se espalha pela região, para criar uma reserva protegida para os Ashaninka e para controlar a extração ilegal de madeira que coloca em risco tanto a floresta quanto seus habitantes indígenas.
Ao mesmo tempo, o Peru, o Brasil e outros países da Organização de Estados Americanos, além das Nações Unidas, deveriam tratar explicitamente dos direitos dos povos indígenas massacrados por viverem em suas próprias terras. Esse é um desafio de direitos humanos tão urgente quanto aqueles sobre os quais lemos diariamente, que fazem parte dos conflitos globais mais visíveis. Os povos da floresta e suas terras estão em risco, da América Latina à África e Indonésia.
Tomando medidas concretas e promulgando reformas amplas, emulando o precedente criado pelo Brasil após o assassinato de Chico Mendes, o Peru e a comunidade global de nações poderão honrar Edwin Chota e outros mártires, conferindo algum sentido a esta tragédia.
BRUCE BABBITT, 76, foi governador do Estado do Arizona (1978-1987) e ministro dos Recursos Naturais e Assuntos Indígenas no governo Bill Clinton (1993-2001)
THOMAS LOVEJOY, 73, é professor na Universidade George Mason. Trabalha na Amazônia desde 1965
Tradução de CLARA ALLAIN
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