Editorial: Hipótese de Carnaval
Todo ano, às vésperas do Carnaval, o Ministério da Saúde veicula campanha de prevenção contra a Aids. Não há dúvida de que informação é fundamental no combate a essa e outras moléstias infectocontagiosas. Tampouco se contesta que, por ser uma ocasião em que o imaginário da população fica ligado ao sexo, o momento parece privilegiado para abordar a doença.
As propagandas, porém, têm como pressuposto a tese de que, durante o os dias de Carnaval, multiplicam-se as relações sexuais desprotegidas e, consequentemente, as infecções pelo vírus HIV. Trata-se de ideia intuitiva e racionalmente verossímil, mas isso não basta para torná-la verdadeira.
Um interessante estudo de 2010 conduzido pelo pessoal do Setor de Doenças Sexualmente Transmissíveis da Universidade Federal Fluminense sugere que o vínculo pode ser um mito.
Testar diretamente a Aids é bastante difícil, sendo o HIV um vírus lento. O intervalo de tempo entre a infecção e a manifestação da doença pode chegar a décadas.
Outros patógenos, porém, que também são transmitidos em relações sexuais sem preservativos, mostram maior disciplina em seu período de incubação. Foi esse o atalho que tomaram Mauro Romero Leal Passos e seus colaboradores.
Analisando 2.646 prontuários com diagnóstico de gonorreia, sífilis e tricomoníase de pacientes que procuraram o setor de DSTs da Universidade Federal Fluminense entre 1993 e 2005, constaram que não houve aumento de incidência dessas moléstias após o Carnaval, como seria de esperar se a festa de fato promovesse a multiplicação das doenças venéreas.
Na realidade, as três enfermidades estudadas apresentaram picos em épocas incompatíveis com o período da folia.
Dadas as limitações do trabalho, contudo, não se pode concluir que o laço Carnaval-Aids seja mera fantasia. Ainda assim, ele indica que essa hipótese deveria ser investigada com seriedade por meio de pesquisas mais abrangentes.
Se é verdade que não há relação causal significativa entre o Carnaval e novas infecções pelo HIV, o governo deveria repensar não apenas seu calendário de inserções publicitárias como também o conteúdo dos anúncios veiculados.
Deve considerar se não é o caso de tornar as campanhas mais bem distribuídas ao longo do ano, com mensagens focadas nos grupos que estão sob maior risco –uma tendência que, aliás, já vem adotando. O Ministério da Saúde, afinal, deveria se valer de dados empíricos para basear suas decisões.
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