opinião
Ashot Galoyan: O centenário do genocídio armênio
No último dia 12 de abril, em missa realizada no Vaticano, o papa Francisco reconheceu como "o primeiro genocídio do século 20" o massacre perpetrado pelo Império Otomano contra a população armênia cem anos atrás. Um massacre que tem, na origem, a intolerância contra os cristãos armênios e que causou a morte de 1,5 milhão de armênios inocentes.
Na mesma semana, o Parlamento Europeu instou a Turquia a também reconhecer o genocídio. Assim esperamos nós, armênios.
Como afirmou o presidente da Armênia, Serzh Sargsyan, em carta dirigida ao presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, "o dever de cada um de nós é passar para as futuras gerações a história real, sem distorções, evitando, assim, a repetição dos crimes e abrindo o caminho para uma maior aproximação e cooperação entre as nações, em especial, as nações vizinhas".
Muitos países, aos quais somos gratos, já reconheceram e mantêm esforços para prevenir manifestações de negação do genocídio. Embora o Brasil ainda não o tenha reconhecido oficialmente, cidades brasileiras já o fizeram, assim como o fez recentemente o Estado de São Paulo, em lei aprovada pela Assembleia Legislativa.
A condenação do genocídio armênio pela comunidade internacional não é recente. Já em maio de 1915 uma declaração conjunta de França, Inglaterra e Rússia caracterizou o massacre contra os armênios como um "crime contra a humanidade e a civilização" e enfatizou a necessidade de responsabilizar as autoridades otomanas.
Apesar disso, os governos turcos que sucederam o Império Otomano até hoje relutam em encarar a verdade. Pior: tentam disfarçar, distorcer e mascarar a história.
O massacre intensificado pelas forças do Império Otomano contra os armênios a partir de 1915, quando lideranças políticas foram presas e assassinadas em 24 de abril – data em que prestamos nossas homenagens aos mortos– é um fato histórico que não pode ser apagado da memória da humanidade e muito menos alterado, distorcido ou disfarçado.
A diáspora armênia, que se iniciou em uma fuga pelo deserto, em plena Primeira Guerra Mundial, e se espalhou pelo mundo, permitiu que valorosos armênios sobrevivessem. Não sem dor, não sem perdas, não sem sacrifícios. Expulsos de suas casas, sobreviventes buscaram reconstruir suas vidas em muitos outros países, mantendo viva a alma armênia. Alguns dos sobreviventes chegaram ao Brasil e aqui estabeleceram uma comunidade valorosa e produtiva.
Em todo o mundo, a comunidade armênia organiza eventos para relembrar aqueles fatos terríveis. A decisão da Igreja Apostólica Armênia de santificar 1,5 milhão de mártires do genocídio foi o ponto alto dessas homenagens. Tratou-se de um momento único de nosso povo e foi um momento de grande reflexão para toda a humanidade.
Nesta quinta, 23 de abril, às 19h15, no horário da Armênia (às 12h15, no horário de Brasília), ao iniciar os principais eventos de homenagem, sinos de todas as Igrejas Armênias e de um grande número de igrejas cristãs em todo o mundo soaram cem vezes, anunciando a santificação dos mártires armênios.
Convidamos àqueles que ouviram as badaladas dos sinos a refletir sobre os fatos, do passado e do presente, e a se questionar sobre como evitar que atrocidades voltem a ocorrer. Infelizmente, massacres como os cometidos contra os armênios se repetiram ao longo destes cem anos, e ainda hoje constituem um problema para muitas nações.
Essa não é uma questão que diz respeito apenas à Armênia. O genocídio é uma questão atual de toda a humanidade. Tão atual que, cem anos depois, o papa Francisco mostrou como é necessário encarar a verdade dos fatos.
A verdade é a arma mais potente da civilização. Nenhum império resiste à força da verdade.
ASHOT GALOYAN é embaixador da Armênia no Brasil
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