opinião
Marcelo Martinelli e João Carlos Alves Barata: A USP é tudo isso e mais um tanto
Logo após celebrar seus 80 anos de existência, a Universidade de São Paulo apresentou, com orgulho, mais um anúncio de sua posição em rankings internacionais de avaliação (Marco Antonio Zago: A USP é tudo isso?, 29/03 ). Se fôssemos apontar o que diferencia as universidades públicas paulistas de suas irmãs brasileiras, poderíamos colocar, em primeiro lugar, a independência.
A autonomia administrativa e financeira vigente desde 1989 a protegeu de humores do governo de ocasião - situação enfrentada periodicamente pelas federais. Some-se à autonomia o objetivo da instituição, conforme seu próprio estatuto: "promover e desenvolver todas as formas de conhecimento, por meio do ensino e da pesquisa"; e "estender à sociedade serviços indissociáveis das atividades de ensino e de pesquisa."
Com isso, ela vem desempenhando seu papel como uma universidade pública, patrimônio da população do Estado de São Paulo, ao qual ela deve prestar contas de seus atos.
Paradoxalmente, enquanto a USP atinge um reconhecimento crescente na comunidade internacional, ela enfrenta ataques aos seus fundamentos. Sua estrutura física e moral é atacada periodicamente por entidades minoritárias, que optam pela depredação, coerção física, ou agressão pura e simples.
Elas repudiam avaliações, consideram sucesso em pesquisa uma mentalidade empresarial, e defendem sistematicamente o interesse exclusivo de seus associados, travestindo seu discurso em defesa da instituição. Exemplo disso foi seu o apoio às medidas recentes que resultaram em aumentos na folha de pagamentos acima do próprio orçamento.
Neste instante em que se elabora um novo estatuto para a USP, após a verdadeira festa feita com o dinheiro do contribuinte, o ataque se acentua. Demandas por uma "democracia interna" visam aumentar o poder destes grupos –apropriando-se do patrimônio e dos recursos públicos para interesses dos regentes de assembleias não representativas.
Porém, mais assustador que as habituais demandas da Adusp, Sintusp e DCE/USP (associações de alguns docentes, funcionários e estudantes), é o fato de que um grupo temático de notáveis acadêmicos, convocados pela Reitoria, emitiu uma proposta ameaçadora para a carreira docente. Ameaçadora na medida em que tira a primazia do ensino e pesquisa, e coloca a extensão no mesmo nível desta última.
De que forma um docente sem histórico de pesquisa habilita-se a exercer uma atividade de extensão? Extensão é consequência da criação. Queremos meros repetidores de conhecimento, ou investigadores criativos?
Esta proposta traz ainda a falácia da progressão horizontal. Antes, a progressão ocorria por concurso, onde o candidato era avaliado por membros externos à Universidade - pelo menos nos seus bons departamentos.
As reformas das carreiras realizadas em anos recentes, atendendo às demandas da ADUSP por uma progressão horizontal, contribuíram para o atual rombo nas contas da USP. A nova proposta pretende avançar mais colocando, entre outras sugestões de igual calibre, a possibilidade de um docente ser contratado, jamais fazer pesquisa, e progredir indefinidamente ao salário máximo, avaliado apenas pelos seus colegas mais próximos.
Estes são alguns dos exemplos dos riscos atuais ao patrimônio paulista representado por sua principal universidade. Se queremos realmente que a USP desempenhe seu papel na sociedade e torne-se competitiva mundialmente, não podemos aceitar que ela seja entregue a sindicatos, avessos ao mérito, e adeptos de ações entre amigos.
Não podemos aceitar que docentes tenham prerrogativas de dilapidar o patrimônio público. Se queremos uma universidade pública, atendendo aos anseios democráticos, esta deve valorizar o mérito, os seus membros devem ser contínua e seriamente avaliados, e ela deve prestar sempre contas de seus atos para fazer valer sua autonomia.
MARCELO MARTINELLI e JOÃO CARLOS ALVES BARATA são docentes do Instituto de Física da USP
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