Editorial: Hora de navegar
Atravessa uma fase de reequilíbrio o conflito entre a linhagem que há 80 anos obtém do Estado brasileiro condições privilegiadas de competição para a indústria nacional, de um lado, e a vertente liberalizante que prega abertura contra os males do subdesenvolvimento, do outro.
De 2008 a 2014, a hipertrofia da primeira corrente sufocou a segunda. O chamado desenvolvimentismo tem o que reivindicar, pois no curso da história ajudou a estabelecer neste país continental um parque fabril diversificado, mas seus velhos defeitos, como o de disseminar ineficiências, ficaram mais uma vez evidentes após seu fortalecimento súbito em pleno século 21.
O Mercosul tornou-se um clube do populismo a reunir praticantes moderados, caso do Brasil, e extravagantes, como Venezuela e Argentina. Com a economia escangalhada pelos experimentos demagógicos, venezuelanos e argentinos agora recorrem ao capital chinês como a um balão de oxigênio, e isso amplia a desarmonia no bloco.
No caso argentino, há desvio de compras, antes feitas de fornecedores brasileiros, em favor da China. Mecanismos para barrar importações brasileiras foram estabelecidos à luz do dia. Buenos Aires cogita agora ampliar a fatia de peças que podem ser importadas de terceiros –terceiros chineses– na renegociação do acordo automotivo.
Brasília faz ouvidos moucos sob o argumento de que o sócio maior precisa tolerar alguma desobediência dos outros a fim de assegurar a união de longo prazo. Os ventos da mudança, que já sopram no núcleo da equipe econômica da presidente Dilma Rousseff (PT), ainda não refrescam as relações exteriores.
A alteração de rota dependerá do enfraquecimento do clube protecionista encastelado não apenas em setores do governo –onde se mistura ao esquerdismo nacionalista do PT–, mas sobretudo nos segmentos empresariais acostumados a receber regalias estatais, sob a forma de créditos subsidiados e regras privilegiadas para competir.
Felizmente a vanguarda do pensamento industrial já identificou a saída. Ela passa por um programa paulatino, mas firme, de abertura da economia brasileira à competição global, com queda de tarifas e outras barreiras, cuja contrapartida seria melhorar e liberalizar o ambiente doméstico de negócios.
Abrange também a busca ativa de acordos internacionais nas zonas dinâmicas do planeta, em especial no norte da América e no eixo do Pacífico.
A progredir o impasse no Mercosul, ele seria resolvido com a flexibilização da regra que hoje obriga todos os sócios a negociar em conjunto, a chamada união aduaneira.
Não se exija da Argentina o que compete somente ao Brasil: a decisão de liberar-se do atavismo que priva uma nação com 200 milhões de habitantes de ter papel condizente com seu tamanho no século mais próspero da humanidade.
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