José Jácomo Gimenes
O engodo do novo Código de Processo Civil
O novo Código de Processo Civil (CPC) foi aprovado pelo Congresso Nacional e entra em vigência a partir de 2016. A extensa lei é resultado de grande esforço legislativo e vai regular o andamento de prováveis 40 milhões de processos judiciais.
Os avanços e aprimoramentos do novo código, entretanto, escondem um engodo, uma maldade contra os usuários do sistema judicial, contra o cidadão comum, sujeito mais frágil do processo, uma crueldade que diminui a importância da obra jurídica.
Todo cidadão (ou pessoa jurídica) que é obrigado a ir ao Judiciário para garantir seu direito deve ser ressarcido também de todas as despesas do processo –custos, viagens, diárias e honorários gastos com seu advogado. Isso é indispensável para cumprir o princípio do ressarcimento integral, está expressamente determinado no art. 20 do CPC em vigor e justificado na respectiva exposição de motivo. É o óbvio ululante.
O novo CPC, lamentavelmente, institucionalizou o desvio da verba indenizatória dos honorários gasto pelo vencedor do processo. Desconsiderando a natureza indenizatória da verba, aproveitando do qualificativo "honorários", abusando da desinformação e fragilidade dos jurisdicionados, o novo CPC, seguindo desvio iniciado no Estatuto da OAB, transfere essa verba indenizatória para o advogado do vencedor.
A violência legislativa contra direito do jurisdicionado está regulada no poderoso art. 85 do novo CPC, com 19 parágrafos e vários incisos. A verba indenizatória do vencedor do processo transformou-se em uma taxa corporativa cumulativa por instância e incidentes, não compensável em caso de ganho parcial da demanda, pesada contra o Poder Público, com privilégio de verba alimentar e favorecendo inclusive os procuradores públicos que já ganham salários por seus serviços.
Pelo novo código, um cidadão que cobra judicialmente uma dívida de R$ 100,00, se contratou com seu advogado honorários contratuais de 20%, como normalmente ocorre, apesar de ter seu direito reconhecido judicialmente, mesmo sendo vencedor do processo, acaba recebendo somente 80% do seu direito.
Por outro lado, o advogado do vencedor, além dos honorários contratuais de 20%, passa a receber também a verba indenizatória do cliente, podendo chegar, com a nova progressividade por instância e incidentes, a 50% do crédito, com prioridade, podendo receber primeiro que o cliente.
O novo CPC, apesar de expressar o princípio da reparação integral ("A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou" - §2º do art. 82), contraditoriamente, logo em seguida, agasalhando defeito técnico, descumpre o princípio: manda ressarcir ao vencedor as despesas menores do processo (indenização de viagem, remuneração do assistente técnico e diária de testemunha - art. 84), mas mantém eloquente silêncio quanto ao ressarcimento da despesa maior, o valor dos honorários pagos ou empenhados pelo vencedor com seu advogado.
O cidadão vencedor do processo, consumidor do serviço público judicial, que deveria ser especialmente protegido, foi preterido no novo CPC. Caso pretenda receber integralmente seu direito, recebendo a despesa tida com seu advogado, vai ter que propor outra demanda, gerando um abominável círculo interminável de processos. Um novo processo para receber despesa do processo anterior!
O novo CPC vai longe na ânsia de expandir a taxa corporativa. Proíbe a compensação dos honorários de sucumbência (§ 14 do art. 85 - contrário a Súmula 306 do STJ), permitindo que, em caso de procedência parcial da demanda, vencido e vencedor parcial sejam obrigados a pagar a taxa corporativa para os advogados adversos, além dos honorários contratuais sem ressarcimento.
A integridade sistêmica –coerência com as normas morais fundantes: lealdade, reparação integral, ressarcimento de despesa e processo justo–, diretriz superior, tão aclamada pelos doutrinadores e expressamente acolhida pelo novo CPC (art. 926), está sendo quebrada por dissimulada conclusão (os honorários pertencem ao advogado), desconsiderando a função e natureza da verba.
O novo CPC vai entrar para história como a lei que institucionalizou o "indevido processo legal" na jurisdição civil.
A transformação dos honorários de sucumbência –verba indenizatória do vencedor do processo e um dos fundamento do devido processo legal substantivo– em taxa corporativa, é uma vitória embaraçosa para entidades e operadores que apoiaram a mudança.
Certamente também serão motivo de irônica admiração as peripécias processuais lançadas na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.104-4), permitindo a não declaração de inconstitucionalidade da transferência de titularidade dos honorários de sucumbência no estatuto da OAB.
Esse malfeito contra os jurisdicionados e outras desconformidades pontuais apontadas por juristas, associações de juízes e por ministros dos tribunais superiores, fortalece o crescente movimento político no sentido de suspender o início da vigência do novo CPC, permitindo o seu conserto, aprimoramento e retirada de desvios que prejudicam o cidadão comum, desvios que descontroem a Justiça.
JOSÉ JÁCOMO GIMENES, 58, juiz federal e professor universitário
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