ANA MARIA TEIXEIRA
Bancos de células-tronco públicos e privados
Se você é jovem, talvez ache difícil acreditar, mas, há um século, as principais causas de morte no mundo eram gripe, pneumonia e diarreia. Hoje, o principal perigo vive dentro de nós: nossas próprias células, que passam a nos atacar ou que param de funcionar, causando câncer, doenças autoimunes ou doenças degenerativas.
Não é surpresa, portanto, que uma das áreas de maior visibilidade da ciência nesse momento seja a medicina regenerativa, que promete revolucionar a medicina assim como antibióticos e vacinas fizeram no século passado.
Para não perder o barco da história, cada vez mais famílias optam pelo armazenamento de células-tronco dos seus filhos. No entanto, há cada vez mais opções e decisões difíceis de serem tomadas. Como decidir o que é melhor para sua família em um mar de informações polarizadas e conflitantes? Algumas informações podem fazer toda a diferença.
Há pelo menos dois tipos principais de células-tronco: hematopoiéticas e mesenquimais. As primeiras são as que dão origem a células sanguíneas; são encontradas no sangue do cordão umbilical e seu uso clínico já está estabelecido em doenças do sangue e do sistema imune.
Mesenquimais são as células-tronco que dão origem aos tecidos sólidos do corpo (cardíaco, nervoso, ósseo, muscular); seu uso na prática clínica está em estágio inicial e chama a atenção pelo enorme número de pesquisas científicas investigando suas diferentes aplicações. Elas podem ser obtidas de diferentes fontes, entre as quais o tecido adiposo e os dentes de leite.
A opção por armazenar células-tronco mesenquimais é para os pais que têm expectativas no desenvolvimento de terapias que ainda não estão disponíveis, mas que abrangem uma vasta gama de possibilidades (doenças de Parkinson, esclerose múltipla e doenças cardíacas estão na linha de frente).
Células-tronco hematopoiéticas têm característica oposta: os tratamentos existem, mas abrangem um conjunto limitado de doenças (leucemias, linfomas, certos tipos de anemia). As chances de uma criança desenvolver essas doenças é baixa, e de precisar usar suas próprias células é ainda menor (estimativas do governo são de menos de 0,05%).
Há uma exceção importante: famílias com histórico de doença genética tratável com células-tronco hematopoiéticas; nesse caso, a probabilidade de uso é muito mais alta, e vale o investimento.
Para células-tronco mesenquimais, só existe armazenamento privado. Para as hematopoiéticas, é possível optar. Certamente, bancos públicos apresentam muitas vantagens, como amplamente divulgado na mídia. Por outro lado, infelizmente, isso não é uma opção para a grande maioria das famílias brasileiras, já que no Brasil apenas as maternidades que fazem parte da rede BrasilCord, cerca de 20, podem aceitar doações de cordão.
Embora este número esteja crescendo, essa situação não deve mudar significativamente no futuro. Altos custos em infraestrutura e recursos humanos impossibilitam a implementação em larga escala desse serviço em hospitais públicos em um país com as dimensões do Brasil.
Dessa forma, armazenamento público e privado não são antagônicos, são complementares. Quem tem a possibilidade de doar o cordão é encorajado a fazê-lo. Células-tronco mesenquimais apresentam o benefício extra de não serem apenas úteis para terapias celulares, mas também para testes de medicamentos e, possivelmente, no futuro, geração de um órgão completo.
Crítico para as famílias é o acesso a informação confiável e baseada em evidências. Somente dessa forma as famílias brasileiras estarão preparadas para próxima revolução da medicina.
ANA MARIA TEIXEIRA, 30, é mestre em ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e atualmente estuda na Northeastern University, em Boston, Massachusetts.
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