MARCUS VINÍCIUS DE FREITAS
O dia seguinte de Paris
Os atentados ocorridos em Paris evidenciaram uma mudança de estratégia do Estado Islâmico (EI), levando-o a uma atuação pirotécnica além de suas fronteiras para impedir o incremento das ações militares em seu território, por meio de uma agenda de terror.
Fruto da inação do Ocidente na Síria, onde milhares de vidas foram ceifadas pelo regime de Bashar al-Assad, o EI também é resultado de uma ação equivocada no Iraque perpetrada pelos Estados Unidos, que não planejaram, de modo claro, o "dia seguinte" à queda de Saddam Hussein. Aliás, a falta de planejamento do "dia seguinte" tem sido um dos grandes erros nas ações realizadas naquela região.
A França foi escolhida não só por seu "apelo imoral", segundo o EI, mas também por conta da vulnerabilidade resultante de suas fronteiras abertas. O país é governado por um presidente fraco politicamente e possui pouca experiência no combate ao terrorismo, uma vez que a inocência francesa quanto a esse tipo de ataque foi perdida só há 10 meses, no episódio do Charlie Hebdo.
Agregue-se a isso a presença de uma enorme população muçulmana no país, que enfrenta as barreiras do preconceito e da exclusão, e a elevação do fluxo migratório derivado da Síria e norte da África. A receita do desastre está completa.
O que esperar? Os ataques franceses ao centro de operação do EI eram aguardados. O governo francês tinha de dar uma resposta imediata, particularmente em razão das eleições regionais que se avizinham.
Preocupa-me saber, no entanto, se a inteligência francesa estará preparada para enfrentar as possíveis retaliações internas, organizadas ou individuais, que poderão ocorrer no futuro próximo, uma vez que o "inimigo" já se encontra na França e na Europa.
O fluxo migratório constitui uma preocupação porque a associação de ideias já se faz presente, numa Europa onde a xenofobia parece crescente. A alegação de que a Europa abriu suas fronteiras para terroristas e fundamentalistas encontrará particular reverberação no discurso político mais extremo.
O resultado terá enorme impacto sobre a imagem da chanceler alemã, Angela Merkel, que passará de heroína da causa dos refugiados ao papel de ingênua, por introduzir as sementes de possíveis ações do terror no continente.
Lamentável será essa associação, pois impactará negativamente as poucas ações realizadas para proteger os refugiados, privando a milhares de indivíduos a possibilidade de escaparem do pesadelo sírio e do fundamentalismo.
Resta ao Ocidente uma única solução: livrar-se de Bashar al-Assad, com um plano efetivo e estratégia clara de longo prazo para o "dia seguinte" à saída do ditador, no qual a vida dos sírios melhore profundamente.
A partir disso, com ação militar efetiva e fomento ideológico contra o fundamentalismo, será possível conquistar os corações e mentes daqueles subjugados pelo EI, para que enfrentem e extirpem a sua liderança e atuação.
Com maior crescimento econômico e oferta de mais oportunidades de inclusão, a Europa deverá aprender a conviver com seus novos cidadãos, tornando-os parte do tecido social e fortalecendo, ainda mais, o conceito de cidadania europeia. O projeto europeu de união deve continuar.
MARCUS VINÍCIUS DE FREITAS, 47, é professor de direito e relações internacionais da Faap - Fundação Armando Alvares Penteado
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