Pedro Benedito Maciel Neto
Não são apenas três centavos
Alguns absurdos que ocorrem na vida dos advogados fazem com que os que como eu estão na profissão a mais tempo pensem na verdadeira natureza da prestação jurisdicional e na genuína seriedade de alguns entendimentos e orientações jurisprudenciais, especialmente os que por formalismos exagerados impõe às partes e aos advogados posições de autêntica injustiça e dissimulada negação da prestação jurisdicional, uma negação travestida de rigor formal.
Vamos a um exemplo. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é autora de mais um desses absurdos. O órgão do Poder Judiciário em questão desproveu agravo de instrumento interposto por uma empresa por insuficiência do depósito recursal. A empresa depositou três centavos a menos que o valor fixado pelo Tribunal Regional. Isso mesmo: 1, 2, 3 centavos. Um absurdo!
A Turma conduziu a decisão com base na Orientação Jurisprudencial, que orienta a deserção do recurso pelo recolhimento insuficiente, ainda que a diferença em relação ao montante correto seja insignificante.
Os fatos são corriqueiros para nós advogados. A empresa foi condenada por vara do Trabalho a pagar valor certo a um empregado que não usufruía de intervalos durante a jornada de trabalho. A empresa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho, que manteve a sentença de origem e majorou o valor da indenização.
Não satisfeita com a decisão, a empresa interpôs recurso de revista ao TST, mas o TRT negou seguimento ao apelo devido à falta de autenticação das guias recursais. A empresa então apresentou agravo de instrumento. Vê-se que o trabalho dos advogados foi diligente.
Ao examinar o processo, o relator, ministro Douglas Alencar Rodrigues, afastou a deserção pela inautenticidade das guias, porém observou que o depósito recursal efetuado pela empresa somava R$ 8.999,97, três centavos abaixo do valor fixado pelo TRT. Diante da inconformidade de valores, negou provimento ao agravo de instrumento.
A jurisdição, como poder ou função estatal, é una e abrange todos os litígios que se possam instaurar em torno de quaisquer assuntos de direito, negar a análise de um recurso por conta de três centavos representa absurdo com o qual não podemos concordar sob pena de renuncia ao amplo direito de defesa e ao devido processo legal.
PEDRO BENEDITO MACIEL NETO, 51, advogado, sócio da Maciel Neto Advocacia, autor de "Reflexões sobre o estudo do Direito" (ed. Komedi, 2007)
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