JOÃO LARA MESQUITA
Só o Brasil oficial não sabia?
O desastre de Mariana, possivelmente, é o pior acidente ambiental brasileiro. Além de soterrar comunidades, matando 11 pessoas, e deixando 8 desaparecidos até agora, provocou a morte do rio Doce.
O Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto), de Baixo Guandu (ES), analisou a água do rio e encontrou metais pesados: chumbo, alumínio, ferro, bário, cobre, boro e mercúrio.
"O rio está morto, o cenário é o pior possível", disse Luciano Magalhães, diretor do Saae. Morte anunciada em razão de uma legislação frouxa e inexistência de fiscalização.
Além da Samarco, propriedade da Vale e da anglo-australiana BHP Billiton, o governo federal também deveria ser punido; afinal, a responsabilidade é dele.
O Código de Mineração, no capítulo 2º, artigo 21º, inciso 24, estabelece que "compete à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho".
Já o capítulo 1º, artigo 174, é claro: "Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado".
Infelizmente, como denuncio em meu trabalho, a ausência de fiscalização é unânime em todas as comunidades nativas do litoral.
A Folha noticiou, em junho passado, que o principal órgão de controle ambiental do governo federal, o Ibama, tem apenas três barcos em atividade para fiscalizar os mais de 7.300 km do litoral brasileiro.
Em entrevista para o site "Mar sem Fim" (www.marsemfim.com.br), Maria Tereza Jorge Pádua, um dos ícones do ambientalismo brasileiro, sentenciou: "o meio ambiente nunca foi prioridade no Brasil".
Alguém duvida?
Fui aos sites. Descobri que a "missão" da Vale é "transformar recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável". Desconfio de quem se diz "verde", "sustentável", "eco isso ou aquilo". Cansei de ver a destruição do litoral por empresas que abusam do jargão.
De toda forma, continuei a leitura. A Vale lista no site seis valores que norteiam a atuação da empresa. O primeiro e o terceiro foram duros de engolir. Respectivamente, "a vida em primeiro lugar" e "cuidar de nosso planeta". Argh!
O pior estava por vir. Vasculhando sobre a BHP, a casa caiu. O governo federal foi tão omisso que não se preocupou com o histórico de acidentes da empresa.
A BHP Billiton, ao contrário de Midas, tem dedo podre. Acidentes graves são frequentes onde atua. Um dos piores aconteceu em Papua-Nova Guiné, ao abrir uma mina de ouro e cobre, a OK Tedi Copper Gold Mine, em 1984.
Durante 20 anos despejou, dia após dia, 80 mil toneladas de rejeitos contendo cobre, cádmio, zinco e chumbo, diretamente na bacia do rio Fly, o que arruinou terras de milhares de agricultores, envenenando 2.000 quilômetros quadrados de floresta. E detonou dois rios, o Fly e o Ok Tedi.
Para fugir das responsabilidades, assinou acordos com líderes comunitários, que isentaram a empresa do pagamento de indenizações.
ONGs informaram que "ao conversarem com os nativos, ficou claro que eles não sabiam o que estavam assinando". O histórico da BHP gerou um relatório alternativo, "BHP Billiton Dirty Energy", informando sobre a destruição de comunidades na Colômbia, acidentes na Indonésia e Austrália.
Já o "Mining Journal" cita outros, como o da mina de cobre em Pinto Valley, Arizona (EUA).
Só o Brasil oficial não sabia?
JOÃO LARA MESQUITA, 60, jornalista, mantém o site www.marsemfim.com.br. Foi diretor, de 1982 a 2003, da Rádio Eldorado, do Grupo Estado
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