editorial
Paradoxo penal
Parece natural, à primeira vista, a mudança de posição do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito do momento em que o réu condenado em processo criminal pode começar a cumprir pena de prisão.
Até o julgamento de quarta-feira (17), a condenação tinha efeito apenas depois de esgotadas todas as possibilidades de recurso judicial, com o trânsito em julgado.
Por 7 votos a 4, a corte resolveu que não é mais necessário esperar tanto para aplicar a pena. Basta que a sentença condenatória seja confirmada por magistrados de segunda instância, como os dos Tribunais de Justiça e os dos Tribunais Regionais Federais.
Segundo observou o ministro Teori Zavascki, relator do caso no Supremo, em nenhum país, afora o Brasil, é necessário aguardar a aprovação de dois tribunais superiores para executar uma pena discutida em dois níveis do Judiciário.
Sabe-se bem o quanto essa peculiaridade brasileira prejudica o combate ao crime em geral e à corrupção em particular. Manuseada por advogados habilidosos e caríssimos, converte-se em verdadeiro caminho para a impunidade.
Criminosos endinheirados encontram pouca dificuldade para, se condenados em segunda instância, bancar defensores capazes de apresentar recursos ao Superior Tribunal de Justiça e ao STF.
Tais iniciativas, ao menos até agora, pouco correspondem à tentativa legítima de contestar um magistrado. São simples manobras protelatórias, com o intuito de arrastar o processo e forçar a prescrição –com o que a Justiça perde a possibilidade de punir o réu, mesmo que ele tenha sido condenado.
Essa deformação penal, ao lado de outra, produz comparação eloquente: enquanto certos condenados valem-se de chicanas para preservar sua liberdade, quase 40% dos mais de 600 mil presos no Brasil nem sequer foram julgados.
Ainda que o objetivo encampado pelo STF mereça aplausos, não se pode deixar de indicar as preocupações que a decisão suscita.
"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", estatui a Constituição entre as garantias fundamentais. O paradoxo salta aos olhos: o Supremo, contrariando a Lei Maior que deveria resguardar, autorizou a prisão de pessoas formalmente inocentes.
Já não seria pouco assistir silente à mais alta corte do país aviltar um preceito constitucional, mas há mais. O entendimento que vigia até quarta fora adotado em 2009. Que segurança jurídica existe quando um tribunal muda de opinião, e sobre assunto de máxima importância, em intervalo tão curto?
Teria sido muito melhor que a batalha contra as exasperantes chicanas se desse pela via legislativa. Bastava mudar as regras para a prescrição quando o processo penal já está em curso –outra bizarrice brasileira– e alterar as normas de acesso aos tribunais superiores, sobretudo para consolidar o papel constitucional do STF.
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