GEORGE MATSAS
Conta não é da sociedade
Não bastasse o populismo acadêmico que levou as universidades do Estado ao limite da solvência, agora os paulistas terão que amargar a leviandade sindical que ameaça paralisar USP, Unicamp e Unesp em greve geral por aumento de salário -a despeito do fato de a USP já comprometer mais de 100% de sua receita com pagamento de pessoal. A situação da Unesp e Unicamp não é muito melhor.
É verdade que as universidades estaduais paulistas não teriam chegado a esse estado de penúria em que se encontram se tivessem tido uma governança mais responsável, fazendo bom uso da autonomia administrativa e orçamentária. As três universidades se sustentam com 9,57% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) recolhido pelo governo estadual.
Contudo, o problema é que os reitores e demais administradores (atuais e passados) não vieram de Marte. Eles vieram dessas mesmas universidades e foram votados por seus membros.
Em um país em que a crítica se tornou viral e todos andam com os dedos em riste, apontando os culpados, seria de bom tom a academia dar o exemplo e exercitar a esquecida arte da autocrítica.
A maior responsabilidade pelo ponto a que chegamos deve ser atribuída a nós mesmos, orgulhosos membros das universidades estaduais paulistas. Para não trairmos a confiança da população, que nos sustenta com seus impostos, somos nós que devemos assumir esse ônus.
Exigir aumento salarial desconsiderando a situação financeira atual das universidades estaduais paulistas só as levaria mais rapidamente à falência, a menos que se espere que a sociedade pague por isso via aumento de impostos ou diminuição de verbas para transporte, segurança, saúde, e educação básica.
Isso seria uma demanda lastimável, para dizer o mínimo, para uma população já machucada, que vê o índice de desemprego aumentar e a massa salarial diminuir.
Argumentar contra a justeza desta greve, portanto, não significa ser inimigo das universidades estaduais paulistas, como tenho certeza de que alguns dirão, mas sim tentar evitar que a sociedade pague por uma conta que não é dela.
Os sindicatos de docentes e funcionários, que advogam o contrário, usam de palavras de ordem para, na verdade, defender privilégios corporativos de suas categorias, em detrimento do resto da população.
Privilégios estes que já incluem os do funcionalismo público, como a insólita licença prêmio que concede três meses extras de férias remuneradas a cada cinco anos trabalhados -tudo pago pelo contribuinte.
A consequência mais funesta de a academia aderir a esse tipo de postura -"salve-se quem puder"- é perder autoridade moral diante de uma sociedade tão pobre de referências éticas.
Em tempos em que todos andam procurando os culpados pela crise cívica do país, é bom notarmos que alguns também apontam para nós.
E se precisarmos de mais um exemplo, sempre podemos imitar a bruxa má da Branca de Neve e, com o dedo em riste, perguntar ao espelho mais próximo: "espelho, espelho meu, existe alguém mais egoísta do que eu?".
Espelhos não mentem!
GEORGE MATSAS, 51, é professor titular do Instituto de Física Teórica da Unesp e membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo
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