EDITORIAL
Memória indelével
Trágico e cercado de mistérios, o caso Aída Curi capturou as atenções da opinião pública em 1958. A jovem, de 18 anos, foi brutalmente violentada num apartamento em Copacabana por três agressores e atirada do alto do edifício.
Com tais ingredientes, o episódio passou a constar como um dos tantos crimes célebres da história brasileira, a exemplo do assassinato de Ângela Diniz, na década de 1970, ou o de PC Farias, há 20 anos.
A história de Aída Curi foi rememorada numa dramatização produzida pela Rede Globo –e, de modo também surpreendente, um novo processo jurídico se abriu. Os irmãos da vítima decidiram acionar a emissora, invocando seu direito a não mais relembrar acontecimento tão doloroso e traumático.
Caberá agora ao Supremo Tribunal Federal, aonde chegou a ação, pronunciar-se a respeito de um conceito jurídico de alcance ainda nebuloso no Brasil e no mundo: o direito ao esquecimento.
Aqui, a tese ganhou impulso ao ser aprovada (sem que os juízes fossem obrigados a seguir a orientação) em encontro de magistrados federais, há três anos. Tal direito, dizia o texto redigido, "assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados".
No mundo, com a rapidez e a facilidade do acesso à informação, características da era da internet, registraram-se já movimentos no sentido de garantir ao indivíduo a obliteração de dados que possam testemunhar em seu desabono.
Assim, em 2014, um cidadão espanhol requereu que fossem eliminados da internet os sinais de que, num passado mais ou menos recente, experimentara uma crise em sua situação financeira.
Ainda que compreensíveis, pleitos desse tipo conflitam com outros direitos amplamente estabelecidos, os da liberdade de expressão e do livre acesso à informação.
Haverá mesmo um paradoxo na ideia de que determinado direito pessoal possa exercer-se, não no que tange ao próprio indivíduo que o detém, mas a terceiros. Teria eu o direito de impor a outrem que não mencione o meu nome? Fora casos de calúnia ou difamação, já previstos em lei, a reivindicação seria evidentemente abusiva.
Parece acertado, deste ponto de vista, o parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que acaba de rejeitar o cabimento da ação movida pelos familiares de Aída Curi.
Por mais que se possa compreender o sofrimento íntimo envolvido nesse caso –e sem dúvida surgirão outros, ainda mais complexos–, a memória dos fatos e o registro histórico devem prevalecer.
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