MATEUS BANDEIRA
O governo somos nós
"We, the people, tell the government what to do, it doesn't tell us", disse Ronald Reagan, que presidiu os EUA entre 1981 e 1989, em alguns de seus pronunciamentos ao Congresso do tradicional "State of the Union", uma prestação de contas sobre as atividades do governo. Serve para nos lembrar de que somos nós, o povo, que impomos limites ao governo, e não o contrário.
Passado o impeachment, a prioridade inadiável será levar adiante as reformas estruturais de que o país tanto precisa, começando pela chamada PEC do Teto, que limita o crescimento dos gastos da União à inflação do ano anterior, e pela reforma da Previdência.
A recessão em curso já deixou 12 milhões de desempregados. É resultado não apenas das decisões equivocadas de Dilma Rousseff, que certamente aceleraram e acentuaram a deterioração da economia, mas decorre, essencialmente, da trajetória explosiva de crescimento do gasto público por duas décadas.
O descontrole fiscal se explica tanto pela irresponsabilidade dos governantes na concessão de reajustes salariais ao funcionalismo quanto pelas "conquistas" consagradas na Constituição de 1988 -regras benevolentes de aposentadoria, escandalosos regimes especiais de categorias de servidores, indexações e vinculações da receita.
Não há mágicas. É preciso fazer escolhas. O orçamento de um país é feito de escolhas. E nós devemos dizer onde tais recursos, sempre escassos, devem ser aplicados.
Queremos ter cidadãos de primeira, segunda e terceira classe? Até quando vamos aceitar as benesses injustificáveis de algumas corporações, como o recesso de 30 dias e férias de 60 dias por ano? Discutimos a necessidade de um ajuste fiscal rigoroso, enquanto o Judiciário pressiona o Senado para aprovar reajustes salariais, com efeito cascata para os Estados e impactos bilionários.
A cada bilhão de reais adicional destinado às categorias mais bem aquinhoadas, já remuneradas bem acima do salário médio, será um bilhão a menos em saúde, educação e segurança pública. Ou, então, um bilhão a mais em impostos. E, como produzimos deficit, será um bilhão a mais em dívidas.
Muitos Estados comprometem quase a totalidade de suas receitas com salários e aposentadorias. Quando soma-se o pagamento das dívidas, a capacidade de investimentos é nula ou negativa.
Essa conta já não fecha hoje e a tendência é de colapso no futuro breve. Avançamos sobre uma linha tênue entre a crise fiscal e a desordem social. A escalada da violência em cidades como Porto Alegre, por exemplo, é agora a faceta mais visível dessa situação.
É por isso que as reformas são imperiosas. Sem elas, o caminho único será a insolvência do país. Não se trata de figura retórica, é a realidade brutal dos fatos.
Os poucos que usufruem os benefícios da estabilidade no emprego e da aposentadoria integral e precoce têm alta capacidade de mobilização e poder de pressão. Some-se a isso o fato de que a discussão sobre reformas é, por si só, um tema complexo, com ganhos difusos pouco compreendidos pela sociedade, que só serão visíveis no futuro, e o estrago está feito.
Sem reformas, estaremos hipotecando o futuro do Brasil. Mas somos nós que fazemos essas escolhas, ainda que indiretamente. Somos nós que podemos impor limites ao governo e às corporações. O Brasil será fruto dessas escolhas. Ou será fruto de nossas omissões.
MATEUS BANDEIRA é presidente da consultoria de gestão Falconi. Foi presidente do Banrisul e secretário de Planejamento e Gestão do Rio Grande do Sul (governo Yeda Crusius)
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