editorial
A César o que é de César
Por uma questão de modéstia mínima, de compostura pública ou —se quisermos lembrar uma palavra cara ao ex-presidente José Sarney— de "liturgia" política, deveriam ser sempre vistas com reservas as tentativas de homenagear autoridades vivas com o nome de ruas, praças e outros logradouros.
Quando se trata de uma cidade, os inconvenientes podem ser ainda maiores; acontece isso com o município do Maranhão que leva o nome de Presidente Sarney.
Com cerca de 20 mil habitantes, a cidade foi classificada em último lugar no Índice de Bem-Estar Urbano, levantamento realizado por um instituto ligado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Utilizando o Censo de 2010, o indicador leva em conta dados relativos a saneamento, mobilidade, habitação e infraestrutura.
Reportagem desta Folha traçou um retrato daquele que foi considerado o pior dentre os 5.565 municípios na data do recenseamento.
Com esgoto correndo a céu aberto e lixo amontoado nas ruas ou pendurado em árvores, Presidente Sarney se localiza numa área alagadiça, a 200 km de São Luís.
No período de chuvas, é comum que fossas sanitárias tenham de ser esvaziadas com ajuda de caminhões contratados numa cidade vizinha; o esgoto é então jogado num riacho próximo, já poluído.
Criado em 1997, o município depende exclusivamente de repasses de verbas federais. Seu orçamento para 2016 resume-se a R$ 63 milhões, sem contar com nenhum centavo de arrecadação própria.
Trata-se de mais um exemplo da grande febre de criação de cidades que se sucedeu à promulgação da Constituição de 1988. Naquele ano, havia menos de 4.000; cerca de 1.600 se adicionaram desde então, com seus prefeitos, vice-prefeitos, vereadores e funcionários.
Conseguiam-se mais cargos e oportunidades de desafogar disputas políticas locais; obtinha-se, ao mesmo tempo, um mínimo de verbas da União para administrar a miséria —ou tirar proveito dela.
Miséria e política se aliam na realidade de Presidente Sarney. Triste homenagem que se presta ao mais renomado político maranhense.
Triste, mas talvez justa; justa, mas não única. Só no Maranhão, cidades como Governador Newton Bello e Governador Nunes Freire também estão entre as cem piores. Mas a César o que é de César: Presidente Sarney fica em último lugar.
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