Kátia Abreu
Vamos rachar a conta
A PEC 241, já aprovada em votações de dois turnos na Câmara e agora em análise no Senado, congela os gastos do governo federal por 20 anos. Nesse período, só serão corrigidos pela inflação do ano anterior.
Qualquer mudança nessas regras somente ocorreria a partir do décimo ano de vigência da proposta, mudança esta limitada à alteração do índice de correção anual.
Creio que todo cidadão em sã consciência concorda que não se pode gastar mais do que se recebe. O problema é como se irá implementar essas medidas de economia.
É um tanto infantil e desonesta a estratégia de afirmar que é contra o Brasil aquele que não concorda com o texto original da PEC 241.
Sou a favor do meu país, e por isso mesmo temo que o prazo extremamente longo de vigência dessa emenda reduza a capacidade de o Estado brasileiro realizar investimentos e, assim, induzir o crescimento.
Segundo projeções de economistas renomados, aprovadas a PEC e outras reformas, a dívida bruta do governo se estabilizaria em 83% do PIB em 2021 e decresceria a partir daí, atingindo 60% do PIB em 2030.
O próprio presidente Michel Temer (PMDB) já admitiu que a PEC poderia ser revisada daqui a 4 ou 5 anos, desde que a economia brasileira se recupere. Todavia, isso exigiria a aprovação de outra proposta de emenda constitucional, gerando mais desconfiança nos investidores e desgastes políticos.
Por que não abrimos o diálogo com o Brasil agora? O Orçamento de 2017 já está de acordo com o teto. A aprovação ou não da PEC 241 neste ano não altera esse fato.
Outra questão preocupante é que o texto da proposta de teto dos gatos não fala nada sobre as áreas prioritárias que receberão suplementações caso haja aumento de receitas.
Segundo estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria), o Brasil ficou em último lugar num levantamento com dez países a respeito do montante de recursos públicos destinados a obras de saneamento, transportes, energia e telecomunicações. Investimos apenas 1,4% de nosso Orçamento nessas áreas.
Vários especialistas manifestam receios com o achatamento do investimento público para compensar o descontrole puxado pelos gastos do INSS, principalmente em áreas que não estão sujeitas a um limite mínimo por lei.
A crise fiscal brasileira deve-se, sobretudo, à gestão pouco eficiente dos gastos públicos. Por isso, de nada adianta o limite de despesas se não forem aprovadas outras reformas, como a da Previdência, ou revistos os gastos tributários, que somam hoje R$ 271 bilhões (subsídios e desonerações).
Estranhamente, a questão das desonerações não foi considerada pelo governo federal. Esses gastos tributários foram acrescidos de um ponto percentual do PIB em quatro anos. Uma redução do mesmo tamanho traria em torno de R$ 60 bilhões anuais aos cofres públicos.
Outra revisão a ser considerada é a do sistema injusto de imposto sobre lucro presumido, o que também garantiria vários bilhões de reais em receitas, se corrigidos privilégios inexplicáveis a determinados setores da economia.
Quero dizer com esses exemplos que a conta não pode ser paga por meio de controle de investimento em saúde, educação e proteção social, que afeta sobretudo os mais pobres.
Temos que enfrentar com coragem as corporações que exercem lobby fortíssimo no Executivo e Legislativo para manter benesses e privilégios. Sim, nós podemos.
KÁTIA ABREU, agropecuarista, é senadora (PMDB - TO) e presidente licenciada da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Foi ministra da Agricultura (governo Dilma Rousseff)
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