MARCO ANTONIO CARVALHO TEIXEIRA
Prefeitura de São Paulo deve restringir gratuidades nas tarifas de ônibus? Não
MEDIDA PODE VIRAR FATOR DE EXCLUSÃO
Dentre as promessas de campanha, a manutenção do atual valor da tarifa de ônibus em R$ 3,80 para todo o ano de 2017 representa um dos maiores desafios para o prefeito eleito, João Doria (PSDB).
Isso decorre das implicações negativas desse compromisso eleitoral para o Orçamento da cidade. Com um custo estimado acima R$ 7 bilhões para 2016, ante uma arrecadação na catraca na casa dos R$ 5 bilhões, a prefeitura se vê obrigada a repassar o restante em subsídios às empresas para a manutenção dos serviços.
Não por acaso, desde que foi eleito, Doria vem buscando fontes alternativas de recursos junto ao governo federal, algo de difícil alcance uma vez que a União nem sequer vem honrando compromissos assumidos anteriormente com a cidade de São Paulo e vive, como todo o setor público, sob a ameaça de forte ajuste fiscal.
Frente a isso, ele anunciou a possibilidade de trilhar outro caminho para não se ver obrigado a descumprir tal promessa: reduzir os custos do transporte público diminuindo a oferta de gratuidades.
Vários segmentos sociais e profissionais já usufruem do benefício do uso gratuito de ônibus em São Paulo: estudantes carentes e da rede pública, idosos acima de 60 anos, deficientes, policiais e carteiros uniformizados estão dentre os que integram a lista, sem incluir a possibilidade da entrada de desempregados. As gratuidades (tratadas aqui como isenção total da tarifa) responderam, entre janeiro e outubro de 2016, por mais de 23% das viagens.
A magnitude do número talvez tenha estimulado o futuro prefeito a cogitar, inicialmente, a retirada do benefício para idosos que se encontram trabalhando e, também, a propor a ampliação da idade de ingresso para a concessão de novos benefícios dessa natureza de 60 para 65 anos, alinhado ao que já está previsto em legislação federal.
Uso aqui dois argumentos para me contrapor à proposta de João Doria da forma em que até o momento ela veio a público. O primeiro é que do ponto de vista da renda a categoria idosos não é uniforme. Muitos deles hoje se veem forçados a retornar ao mercado de trabalho justamente para complementar a renda familiar.
Assumir a tarifa do transporte público seria altamente injusto com um segmento desse grupo social de baixa renda que, com o avançar da idade, vai sendo penalizado pelo aumento dos custos de sobrevivência, sobretudo o de acesso à saúde.
Se mal encaminhada, a medida pode se transformar em fator de exclusão. Por isso, nesse caso, atrelar a concessão do benefício à renda talvez seja um bom caminho.
O segundo é que muitas vezes, mesmo no grupo de idosos que está no mercado de trabalho com baixo padrão de renda, o acesso gratuito ao transporte público é a forma possível de mobilidade para se socializar visitando amigos e parentes. Nesse caso específico, a cobrança teria impacto negativo na manutenção de laços sociais.
Por fim, como todos os segmentos vivem tempos de ajustes em função do momento econômico, cortar gastos tem sido a alternativa mais recorrente para equilibrar o Orçamento. No setor público, uma boa escolha em relação ao o que e onde cortar pode fazer enorme diferença nas condições de vida dos cidadãos. Uma decisão dessa natureza requer uma boa avaliação do alcance de seus desdobramentos sociais.
Apenas como exemplo, a conquista de gratuidade para estudantes de escola pública no transporte público em São Paulo foi uma das principais conquistas das manifestações de junho de 2013. A inexistência desse direito nas atuais condições socioeconômicas certamente implicaria a exclusão escolar de um número significativo de jovens.
MARCO ANTONIO CARVALHO TEIXEIRA, doutor em ciências sociais pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), é professor e vice-coordenador da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas de São Paulo
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