Marcos Degaut
Delicado equilíbrio geopolítico
Repleto de acontecimentos potencialmente desestabilizadores, 2016 ficará marcado como um ano em que abalos na estrutura do ordenamento internacional colocaram o mundo à beira de um ataque de nervos.
Embora alguns eventos tenham prometido trazer certa distensão ao cenário internacional -como a assinatura do acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc, a retomada das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba, a implementação de reformas liberalizantes na Argentina e a realização sem incidentes da Olimpíada no Brasil, apesar do não infundado temor de atentados terroristas-, assistiu-se em 2016 à progressiva deterioração da estabilidade geopolítica mundial.
Esses movimentos que sacudiram os pilares da arquitetura internacional obedeceram ao avanço sistemático de forças centrípetas de fragmentação, manifestando-se em três variáveis principais: a resistência ao aprofundamento dos processos de regionalização e globalização; o avanço do terrorismo e do extremismo político-religioso; e a reafirmação da busca pela preservação de esferas de influência geopolítica.
A resistência aos processos de regionalização e globalização se tornou mais patente com a saída do Reino Unido da União Europeia em junho, que sacudiu os mercados financeiros do mundo.
Esse fenômeno, entretanto, é mais complexo e tem se manifestado no acirramento de nacionalismos e da xenofobia, na escalada do populismo e na exacerbação de protecionismos econômicos.
Essa resistência ameaça soterrar possíveis benefícios advindos de mega-acordos inter-regionais de facilitação de comércio e investimentos, como a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) e a Parceria Transpacífico (TPP), com graves prejuízos potenciais para a economia global.
Por outro lado, o avanço do terrorismo demonstra que o impacto cumulativo da violência extremista tem levado à diminuição da estabilidade e da segurança internacional -como exemplificam os reiterados ataques ocorridos (França, Bélgica, Alemanha, Turquia, Nigéria, Iêmen e Iraque)- e pode redesenhar o mapa geopolítico do globo.
A frequência e intensidade desses atos vêm aumentando ao longo dos anos. Em 2016, foram registrados mais de 10 mil incidentes e mais de 29 mil mortes, de acordo com o Departamento de Estado dos EUA.
Isso representa mais de 33 atentados e mais de 85 vítimas fatais por dia. Desde o ano 2000, quando houve 3.361 mortes, ocorreu um aumento de nove vezes no número de vítimas do terrorismo.
Finalmente, a renovada busca pela preservação de esferas de influência geopolítica -típica da Guerra Fria - e de obtenção de prestígio, liderança e poder tem antagonizado não apenas potências globais - como Estados Unidos, China e Rússia- mas também as regionais, como Turquia, Irã, Arábia Saudita e Japão, como ilustram a infindável crise síria, os frequentes entrechoques no Mar do Sul da China e as tensões no "arco de instabilidade", que se estende do Báltico ao Mar Negro.
Para tornar esse intrincado cenário ainda mais complexo, Donald Trump, um magnata voluntarioso e inexperiente em assuntos geoestratégicos e de política externa, foi eleito presidente dos EUA, prometendo tornar o país "grande novamente".
Suas primeiras, e polêmicas, iniciativas -como a opção preferencial pelo protecionismo econômico e o aparente antagonismo com a China, eleita adversário geoestratégico, com todas as implicações políticas e econômicas daí resultantes- parecem destinadas a colidir com os alicerces do atual ordenamento internacional.
Se esse conjunto de eventos e processos tornou 2016 um ano extremamente turbulento, sua continuidade leva a crer que 2017 tende a ser um ano em que o mundo precisará se esforçar para alcançar delicado, e perigoso, equilíbrio geopolítico.
MARCOS DEGAUT, doutor em segurança internacional pela Universidade da Flórida Central (EUA), é pesquisador da mesma instituição e copresidente do Instituto Kalout-Degaut de Política e Estratégia
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