CESAR AUGUSTO V. REZENDE
Caixa dois deveria ser anistiado? SIM
DESNUDANDO O AUTORITARISMO
A anistia ao caixa dois eleitoral ganhou relevância após ser incluída no famigerado e arbitrário projeto de lei das dez medidas contra a corrupção. Estar no lugar errado e na hora errada pode acabar em desgraça -foi o que aconteceu quando os parlamentares quiseram emendar o texto original dessa proposta de iniciativa popular, gestada nos gabinetes do Ministério Público Federal.
Não há ser humano honesto e santo, mas também não há ser humano que defenda a corrupção como modelo de administração.
Portanto, com essas duas premissas, a defesa incondicional das dez medidas, encabeçada por membros do MPF, não é obra de seres humanos honestos e santos. Bem como, em oposição, o questionamento delas também não será tarefa dos mais íntegros.
Ora, qual o mal em anistiar algo que nem sequer é crime pela legislação atual? Anistiar algo que não é crime soa tão absurdo que surpreende a posição de setores importantes do Judiciário, já que a nossa Constituição é suficientemente clara ao prescrever que não há crime sem prévia lei.
Na verdade, os políticos defensores da anistia ao caixa dois são os mesmos que anistiaram os empresários e cidadãos que cometeram caixa dois remetendo ao exterior recursos não declarados.
A Lei de Repatriação baseia-se na mesma razão que agora guia as tentativas de anistia ao caixa dois de políticos e partidos políticos. No entanto, a repatriação vem sendo comemorada por juristas, governistas, oposicionistas e imprensa.
Qual a diferença entre atos imorais praticados por empresários e cidadãos e os desvios imorais de partidos e políticos em eleições? Honestamente, nenhuma.
Some-se a isso o fato de que a existência de "contabilidade paralela" para custear políticos e partidos em eleições é algo tão antigo que historiador algum é capaz de definir o inicio da prática.
A possibilidade de anistiar algo que não é prescrito em lei assusta setores conservadores, pois a metodologia empregada a perseguir o mal se revela ideológica.
O modo de agir desse setor é bem nítido: algo só é contrário às regras quando se refere ao adversário ideológico. Se políticos e partidos aliados se valem do caixa dois, ele deixa de ser um delito.
Isto é, constatada a existência do dinheiro não contabilizado de partidos ou políticos da mesma linha ideológica, pede-se o arquivamento da investigação. No entanto, constatada a contabilidade paralela de partido político ou político de campo adversário, indaga-se a existência de crimes transversais.
O discurso é ratificado pelo subprocurador da República, Nicolao Dino: "Nossa preocupação é com esses crimes correlatos [ao caixa dois, como lavagem de dinheiro e corrupção]. A posição que se defende é que os crimes correlatos continuem a ser julgados de acordo com a legislação vigente à época em que eles ocorreram".
A tipificação do crime de caixa dois acaba por desnudar a posição ideológica de parte do setor que defende as dez medidas contra a corrupção. Desnuda, da mesma forma, a possibilidade de políticos e partidos se
protegerem da atuação ideológica de setores importantes da sociedade.
A certeza que fica é a clara e manifesta gritaria de grupos mais conservadores, apavorados em ver reveladas suas práticas arbitrárias.
Esses grupos acabam por estimular que se aplique a pecha de "corruptos e defensores de bandidos" aos favoráveis à anistia, massificando e polarizando o debate com o intuito único de se protegerem das páticas bárbaras utilizadas para minar os adversários ideológicos.
CESAR AUGUSTO V. REZENDE é advogado, especializado em direito tributário pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
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