editorial
Conflitos sob o teto
Ao longo de três décadas, a partir da restauração da democracia, as tensões políticas e sociais de um Brasil desigual ao extremo foram amortecidas por meio da expansão contínua do Orçamento público.
Inflaram-se as despesas do governo para responder aos anseios da maioria votante, pobre ou remediada. Também contemplaram-se interesses, legítimos, de grupos influentes como corporações estatais e empresários. Não faltaram os cargos e favores para cimentar coalizões parlamentares.
De início, tal processo esteve encoberto pela hiperinflação, que tornava sem valor o dinheiro. Após o Plano Real, a gestão tucana elevou os impostos para acomodar a escalada dos desembolsos.
Com mais sorte, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) valeu-se do crescimento da economia e da arrecadação, que lhe permitiu contentar as múltiplas clientelas do Estado.
Exauridos os três sustentáculos —inflação elevada, alta da carga tributária e bonança econômica—, o agigantamento orçamentário prosseguiu, graças a engodos de contabilidade, até seu colapso, que levou de roldão o mandato da petista Dilma Rousseff.
A recapitulação presta-se a demonstrar que as implicações do teto ora fixado para o gasto federal, a vigorar ao menos até 2026, transcendem a meta de evitar a explosão da dívida pública.
Uma pequena amostra da nova realidade pode ser observada, neste momento, na decisão do Executivo de elevar em R$ 3,1 bilhões os desembolsos deste ano —o que não desrespeitará o limite legal.
O montante, uma esmola em meio a um Orçamento de R$ 1,3 trilhão (cifra que exclui os juros da dívida), é disputado avidamente na Esplanada brasiliense.
Aguardam-se medidas urgentes de defesa civil com a seca no Nordeste; precisa-se recompor a aplicação mínima de verbas em saúde; há que atenuar a míngua dos investimentos em infraestrutura.
Contendas do gênero sempre existiram, mas se davam em um contexto de despesas em alta permanente; atendia-se um hoje, outro amanhã, um terceiro mais adiante. Agora, o ganho de um significará perda para os demais.
Os conflitos tendem a acirrar-se, o que exigirá dos governantes a coragem de arbitrar prioridades; trata-se, aliás, do que deve acontecer em toda democracia. No Brasil de carências e poderes tão heterogêneos, entretanto, tal costume ainda não foi submetido a voto.
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