Manifestantes usam nome do morador da Rocinha na ocupação da Câmara do Rio
Há nove dias eles dormem em colchões espalhados entre as mesas usadas pelos vereadores, no plenário da Câmara Municipal do Rio.
No início eram 40 pessoas, mas uma semana depois do início da ocupação que protesta contra a composição da CPI dos Ônibus, eles agora são nove. Sem contar o integrante da Mídia Ninja, encarregado de transmitir pela internet o que acontece nos corredores e salas do Palácio Pedro Ernesto, a sede do poder legislativo municipal.
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Entre os acampados estão dois estudantes da PUC do curso de Relações Internacionais, um aluno de Comunicação Social também da universidade católica, outro do departamento de Educação Física da Uerj, um biólogo, uma dona de casa de Niterói e um ator com histórico de militância política.
Todos se apresentam como o mesmo nome: Amarildo. "Nós somos todos Amarildos", dizem, em uma referência ao morador da Rocinha desaparecido há um mês.
A Folha passou a noite no plenário da Câmara e acompanhou a rotina do grupo do fim da tarde de quinta-feira (15) até o início da manhã de sexta (16).
A decisão de conceder entrevista à Folha levou tempo, seguindo a dinâmica das demais votações do grupo. Cada um dos nove participantes da ocupação fez uma avaliação enumerando vantagens e desvantagens da exposição em um veículo de comunicação de massa.
Quando um integrante do grupo aprovava o argumento de outro, sinalizava seu apoio girando a palma da mão, com o braço erguido.
Para evitar ruídos na discussão, antes de cada intervenção na fala do colega, a conduta era levantar o dedo indicador para o alto até receber o aval do grupo para prosseguir.
A conversa a respeito da reportagem, realizada no próprio plenário da Câmara, começou às 17h30 de quinta-feira, e se estendeu por 3 horas e vinte minutos até o consenso. A entrevista foi aprovada com a ressalva: dois integrantes optaram por não falar.
META É ANULAR CPI
Os manifestantes questionam a participação de quatro vereadores na comissão parlamentar de inquérito, incluindo presidente Chiquinho Brazão (PMDB), que eram contrários à investigação das empresas de ônibus do Rio.
Um dos residentes temporários da Câmara avalia que o simbolismo da ocupação é ainda maior do que a discussão sobre transportes.
"Nós devemos pensar na cidade que queremos construir coletivamente. A força que me move é saber que os cidadãos desse país têm mecanismos para transformar a nossa realidade", disse o estudante bolsista de relações internacionais da PUC-Rio, de 25 anos, morador de uma pensão de universitários no Jardim Botânico, que pediu para ser identificado como José Amarildo, um nome fictício (os demais manifestantes também fizeram o mesmo).
Ele foi à Câmara assistir a sessão de instalação da CPI, acompanhado pelo namorado, e o casal acabou acampando por lá.
"Viemos acompanhar a CPI e houve uma indignação após a formação da CPI ser anunciada. Após a reunião, passei pelo plenário e vi um grupo de pessoas por lá. Começamos a conversar e alguém propôs a ideia da ocupação. E vários responderam: 'Ocupar! Ocupar!' Mas nunca imaginei que fosse estar aqui até agora. Foi a primeira vez que fiz isso na minha vida", disse José Amarildo.
"Vamos anular a CPI dos Ônibus", acrescenta o estudante de cinema da PUC, que se apresenta como Pedro Amarildo, 24, namorado de José.
BANHEIRO COM BARREIRA POLICIAL
Ao fim da primeira sessão da CPI na manhã de quinta-feira, com a saída de funcionários e vereadores, o primeiro pavimento do Palácio Pedro Ernesto passou a ser compartilhado entre os manifestantes e os policiais destacados para a segurança interna do palácio.
Objetos pessoais e alimentos são guardados em dois ambientes distintos: uma pequena sala, no saguão principal, e também no plenário. Os dois espaços servem às reuniões do grupo.
Para chegar ao banheiro, é preciso sair do plenário e entrar numa sala vizinha, sempre ocupada por uma tropa de PMs durante a noite. Na quinta, mais de vinte policiais estavam no local. Antes de fazer xixi, o acampado tem que passar por uma "barreira policial".
Os policiais costumam abrir a porta do plenário no meio da noite para observar a movimentação.
"Uma vez um deles entrou de madrugada por uma porta, atravessou o plenário e saiu pela outra porta. É pressão psicológica", diz o estudante de relações internacionais da PUC, 24, que se apresenta como João Amarildo.
Morador de Copacabana, ele esteve na manifestação realizada na avenida Presidente Vargas, em junho. E ressalva: "Só passeata não resolve. Aqui, eu sinto que nós estamos avançando. Já conseguimos levantar o debate sobre a legitimidade da CPI dos Ônibus."
GRANOLA E IOGURTE NAS BANCADAS
As bancadas do plenário, cada uma delas identificada com o nome de um vereador, ganharam novas funções.
O saco de granola está sobre a mesa de Eduardo Moura (PSC); na de Jefferson Moura (PSOL) havia um pote de iogurte grego, meio tomate, um saco de pão de forma integral e sete quentinhas de alumínio com a identificação: "arroz + feijão + farofa de aveia". Restaurantes do centro do Rio têm presenteado os manifestantes com algumas refeições.
Pelas mesas do plenário ainda era possível encontrar um saco de tangerinas e galões de cinco litros de água.
Quando há sessões pela manhã no plenário, o grupo é acordado às 7h pelos funcionários da limpeza. Eles retiram seus pertences e guardam na sala menor. Voltam a ocupar o plenário ao fim das atividades da Casa.
Ontem, não houve sessão. Antônio Amarildo aproveitou para dormir até as 9h30.
Ele é estudante de educação física da UERJ. Passou a madrugada de quinta para sexta acordado para garantir a vigilância do plenário, enquanto os colegas dormiam.
"Não tenho vínculo com nenhum partido. Sou anarquista", ele diz, e ressalta que tem o apoio de sua família nesta ação na Câmara dos Vereadores. "Meu pai concorda com a nossa causa. Ele vem todo o dia aqui me ver no portão principal da Câmara."
A VETERANA DOS PROTESTOS
O plenário da Palácio Pedro Ernesto fica situado no mesmo pavimento do saguão principal, acessado pelas escadarias da Casa.
Diante do portão principal, na praça da Cinelândia, há um segundo acampamento em apoio aos manifestantes confinados.
Lucia Amarildo, 57, costuma ficar no portão conversando com os manifestantes da Cinelândia, que passam para prestar apoio, e também com sua filha, de 26 anos.
"Minha filha já perguntou: "mãe, isso vai adiantar alguma coisa?", conta Lucia.
Filha de um médico perseguido pelo regime militar, ela é dona de casa e mora em Niterói. Em 2010, passou meses ajudando vítimas atingidas pelas chuvas no município, que arrasaram a região do Morro do Bumba.
"Outro dia estava aqui no portão, olhando para a praça da Cinelândia, e lembrei que no fim da década de 70 eu corri da polícia em uma manifestação na (avenida) Rio Branco, justamente neste trecho", lembrou Lucia. "Sempre participei de protestos deste tipo, mas na minha idade, já não tenho condições de correr tanto, fica mais difícil. Agora, costumo andar um pouco mais atrás", disse Lucia, que compareceu a todas as manifestações no Rio desde o início de junho passado.
A resposta ao questionamento da filha permanece confusa na cabeça de Lucia. Dormindo no chão há mais de uma semana, ela está visivelmente cansada. E se aborrece com os ruídos de uma comunicação que, com frequência, se arrasta por horas.
"Quem produziu esse folheto?", perguntou ela, em tom indignado. O tal impresso listava as reivindicações do grupo e tinha, no canto de uma página, uma ilustração com um homem mascarado segurando um coquetel molotov.
Antonio Scorza/Uol | ||
Manifestantes acampam em frente à Câmara Municipal do Rio de Janeiro |
"Isso é um absurdo. Vai contra tudo o que eu acredito. É inaceitável que estejam associando o nosso texto a uma imagem dessas", criticou Lucia.
De acordo com os colegas no plenário, o folheto havia sido produzido pelos manifestantes acampados na Cinelândia.
AS MORDAÇAS NA CPI
Na quinta-feira, o acesso do público à primeira sessão da CPI dos Ônibus foi vetado. A Câmara permaneceu com entrada restrita e todos os portões fechados com cadeados e correntes.
Ao redor do Palácio Pedro Ernesto, a polícia militar chegou a isolar o quarteirão, onde havia o portão de acesso usado por funcionários e vereadores.
Com o controle rígido, além da imprensa, os únicos observadores externos na primeira audiência da CPI eram os residentes temporários do plenário.
Até então, ainda eram dez pessoas. Na mesma tarde, um deles deixou a ocupação para resolver questões pessoais.
Orientados pela segurança da casa a não intervir na fala dos vereadores, os manifestantes usaram lenços pretos como mordaças ao longo da sessão e ficaram de costas para a bancada presidida por Chiquinho Brazão.
SE GRITAR PEGA LADRÃO
Pouco depois das 22h, uma roda de samba foi organizada do lado de fora do palácio, diante do portão principal. Em coro, os manifestantes cantaram o refrão de Bezerra da Silva: "Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão".
A apresentação foi transmitida ao vivo por um integrante da Midia Ninja, que acompanha de perto a movimentação do grupo desde o início da ocupação.
"Estou aqui há três dias. Vim render um amigo que estava transmitindo desde o início. Deixei o Ocupa Cabral (no Leblon) e vim pra cá", disse o rapaz, que preferiu não ser identificado. Todos os passos dos Amarildos da Câmara são transmitidos ao longo do dia pela Midia Ninja.
Durante a apresentação, um grupo de policiais subiu a escadaria da Câmara para observar de perto o samba. Um gaiato gritou: "Policial prendeu três, pode pedir música!"
Um dos policiais pediu mais uma do Bezerra. A turma do samba respondeu com "A semente", canção que faz referência a uma plantação de maconha: "Meu vizinho jogou/ Uma semente no seu quintal/ De repente brotou/ Um tremendo matagal"...
Editoria de Arte/Folhapress | ||
VEJA O PERFIL DOS OUTROS AMARILDOS DA CÂMARA
"Pedro Amarildo", 24
Morador do Jardim Botânico, zona sul, nascido em Sinop (MT), estudante bolsista de cinema da PUC
"Tenho a sensação de que sempre vivi numa inércia política. Havia uma sensação de impotência. Agora estou aqui, e acredito que vamos anular a CPI dos Ônibus."
"João Amarildo", 24
Morador de Copacabana, zona sul, nascido em Natal, estuda Comunicação Social na UFRJ e relações internacionais pela PUC.
"Cheguei a ir à manifestação da Presidente Vargas. Mas só passeata não resolve. Aqui eu sinto que estamos avançando. Conseguimos levantar o debate sobre a legitimidade da CPI dos Ônibus"
"Nilton Amarildo", 39
Nascido em São Gonçalo, região metropolitana do Rio, fez curso técnico de atores da CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), trabalhou como garçom na boate Melt e no bar Caroline Café, na zona sul
"Já fui do PSOL, do PCB e do PCdoB, mas a esquerda se perdeu. Hoje não tenho vertente política. Sou um indignado. E vamos derrubar essa CPI"
Livraria da Folha
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