Complô insinuado por Cunha para ligá-lo à Lava Jato é rotina da Câmara
A divergência de datas apontada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para se defender do vínculo com requerimentos investigados na Operação Lava Jato é, na verdade, um procedimento normal na Casa.
Nesta terça-feira (28), após a Folha revelar que seu nome estava vinculado a esses documentos suspeitos, o peemedebista afirmou haver uma contradição nas datas dos papéis, insinuando a possibilidade de um complô do setor de informática da Câmara com o objetivo de envolvê-lo no esquema de desvio de recursos da Petrobras.
Os dois requerimentos citados foram apresentados em julho de 2011 pela então deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), correligionária de Cunha, e pediam informações sobre contratos da Petrobras com a empresa Mitsui. Segundo depoimento do doleiro Alberto Youssef à Polícia Federal e ao Ministério Público, o hoje presidente da Câmara apresentou requerimentos contra a Mitsui com o objetivo de forçá-la a retomar o pagamento de propinas que havia sido suspenso.
Cunha negou publicamente, inclusive em depoimento à CPI da Petrobras, qualquer relação com esses requerimentos. A Folha, porém, revelou que o nome do presidente da Câmara aparece como o autor dos arquivos de computador em que foram redigidos os documentos. Já a autenticação deles –espécie de assinatura eletrônica necessária para que os papeis deem entrada no sistema digital da Câmara– foram feitos pelo gabinete da então deputada, atesta a Câmara.
Apesar de admitir que computadores ou assessores seus podem ter sido usados para a confecção dos requerimentos –segundo Cunha, seu gabinete dava apoio legislativo a correligionários menos experientes–, o presidente da Câmara demitiu o chefe da informática da Casa e pediu uma "rigorosa investigação" sobre um possível complô na área de TI, que estaria insatisfeita com sua determinação de que todos cumprissem a carga horária mínima de 40 horas semanais.
30 DIAS DEPOIS
A divergências de datas citadas por Cunha, e que seria o cerne do suposto complô, se resume ao seguinte: apesar de os requerimentos terem sido apresentados pela então deputada em 11 de julho de 2011, o documento Word que traz o nome "dep. Eduardo Cunha" como autor traz como a data de criação o dia 10 de agosto de 2011, 30 dias depois.
A Folha localizou diversos casos semelhantes a esses no sistema eletrônico oficial da Câmara. Segundo técnicos de gabinetes consultados, a suposta divergência nas datas é, na verdade, uma característica comum da burocracia interna.
Isso se dá porque o sistema digital da Casa pode demorar para gerar o arquivo no site depois que o documento é protocolado. Exemplo: um deputado apresenta um requerimento no dia 1º. Se a Câmara disponibilizar o inteiro teor desse documento em seu sistema só no dia 10, a "data de criação" aparece como dia 10 –é a data de conversão do documento que foi entregue, normalmente feito com o software Word, para o software PDF, padrão da Câmara.
Segundo técnicos dos gabinetes, a demora de 30 dias entre a apresentação dos requerimentos de Solange e a entrada no sistema pode ser explicado pelo fato de que ela apresentou os papeis próximo à data do recesso parlamentar de julho. Nessa mesma época, a Folha localizou outros requerimentos que apresentaram demora semelhante.
Também em 13 de julho daquele mesmo ano, por exemplo, o deputado José Nunes (PSD-BA) e a ex-deputada Liliam Sá (Pros-RJ) apresentaram requerimentos cujos arquivos digitais só foram gerados em 10 de agosto de 2011, casos idênticos ao apontado por Cunha como um possível complô.
OUTROS CASOS
O presidente da Câmara ainda declarou em entrevista na terça (28) que só estes requerimentos de Solange Almeida aparecem com seu nome, sendo que em outros não haveria o nome do parlamentar.
"Não posso permitir a suspeição ou a dúvida de um fato que está comprovado: a deputada Solange autenticou em seu gabinete, e o documento do Word, eu mandei verificar, tem 500 lá e nenhum tem meu nome. Só este tem. Os outros não têm o nome do parlamentar", disse em entrevista coletiva.
A Folha localizou outros arquivos digitais de requerimentos apresentados por Cunha com a mesma assinatura que aparece nos requerimentos de Solange Almeida: "Dep. Eduardo Cunha". É o caso de um requerimento protocolado em agosto de 2011 que pede audiência pública para discutir um projeto da instituição do "dia do orgulho heterossexual", um papel reconhecidamente feito pelo gabinete do hoje presidente da Câmara.
A presidência da Câmara afirmou na manhã desta quarta-feira (29) que Cunha irá aguardar o resultado da investigação que determinou para se pronunciar.
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