Congresso brasileiro se rebela contra Dilma
O presidente do Senado brasileiro, Renan Calheiros, foi acusado de evasão fiscal, uso de um avião do governo para passar por uma cirurgia de implantes capilares e deixar que o lobista de uma construtora pagasse pensão à filha que teve em uma relação extraconjugal.
Eduardo Cunha, o conservador presidente da Câmara dos Deputados, combateu acusações de corrupção, desde malversação de fundos até morar em uma casa paga por um doleiro.
Em alguns países democráticos, políticos que enfrentassem estas situações poderiam ser banidos da vida pública, mesmo que nunca fossem condenados.
Mas não no Brasil, onde os homens que comandam o Congresso, permeado por escândalos, aumentam seu poder sobre a presidente atingida por escândalos, Dilma Rousseff.
Trata-se de uma dos mais profundos deslocamentos do poder político no país em décadas -e é um sinal inequívoco dos problemas enfrentados por Dilma no caso abrangente de corrupção envolvendo a empresa petrolífera nacional brasileira.
"Isto é 'House of Cards' à brasileira, com os chefes do Congresso aproveitando o momento em que Dilma está muito enfraquecida", disse David Fleischer, professor de ciência política na Universidade de Brasília.
A estratégia parece estar funcionando. Os líderes do Congresso parecem estar desviando as atenções de seus próprios problemas, revoltando-se contra Dilma, cujo índice de aprovação pública está em 13%.
Com isso, eles conseguiram em grande medida proteger o Congresso, evitando que ele seja criticado. De acordo com o Datafolha, o índice de aprovação do Congresso subiu de 9% em março para 11% em abril.
Dilma enfrenta protestos enormes em que se pede seu impeachment; muitos brasileiros estão enfurecidos com a economia estagnada e o esquema de propinas na Petrobras.
Ela presidiu o conselho de direção da estatal entre 2003 e 2010, período aproximadamente correspondente àquele em que o esquema foi lançado.
O escândalo envolveu executivos da Petrobras que aceitaram propinas e canalizaram fundos para figuras políticas e para o PT, segundo ex-executivos.
Não emergiu nenhum depoimento acusando Dilma de ter lucrado com o esquema, mas ela foi colocada na defensiva.
A presidente enfrenta uma rebelião do centrista PMDB, que ancorou sua coalizão e controla as duas casas do Congresso.
Renan Calheiros, o presidente do Senado, e Eduardo Cunha, presidente da Câmara, são membros do partido insurgente.
O vice de Dilma, Michel Temer, presidente do PMDB, está reforçando seu poder, depois de a mandatária apelar a ele para aliviar as tensões com o Congresso.
Em cada momento do escândalo das propinas, os líderes do PMDB atuam para erodir o poder da esquerdista Dilma, adiando a adoção de algumas das medidas de austeridade propostas por seu ministro
financeiro e impedindo a aceitação dos nomes indicados por ela para seu gabinete.
O respeitado senador esquerdista Cristovam Buarque, que votou contra Dilma, disse que o domínio exercido sobre ela pelo grupo formado pelos presidentes do Senado e da Câmara e seu vice equivale a um "golpe".
"Em vez de um general, um brigadeiro e um almirante atuando com o apoio das Forças Armadas, temos o vice-presidente e os líderes do Congresso executando manobras com o apoio das tropas do PMDB", ele disse.
A resistência crescente do Congresso representa uma virada para uma instituição amplamente desprezada no Brasil por sua propensão a recompensar-se com aumentos salariais no momento em que a sociedade suporta medidas de austeridade, e também por sua capacidade de proteger seus membros que enfrentam ações a Justiça.
Quase 40% dos parlamentares que conquistaram grande número de votos nas eleições de 2014 se encontram sob investigação por uma variedade de delitos.
É preciso muito para qualquer parlamentar ser expulso do Congresso, devido ao foro privilegiado, que lhes permite ser julgados apenas pelo Supremo Tribunal Federal, algo que, na prática, gera anos de atrasos e adiamentos.
Enquanto Dilma luta por sua sobrevivência política, Eduardo Cunha, radialista evangélico e economista, vem elevando seu perfil nacional com aparições em todo o país, defendendo uma agenda socialmente conservadora e sugerindo que o PMDB forja ambições políticas distintas.
"Eduardo Cunha é sádico, durão, esperto e tem carisma", disse ao jornal "Valor Econômico" o ex-governador Claudio Lembo.
"Se Dilma me procurasse para me pedir um conselho, eu diria: 'Leia Maquiavel. Quando você não consegue derrotar seu inimigo, aproxime-se dele.'"
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