Análise
Preço de agir fora da legalidade é alto demais
É intolerável este governo. Mas é também intolerável que no afã de se encontrar um caminho para seu ocaso, desrespeite-se a lei e a Constituição. Ninguém impede um país de se tornar uma Coreia do Norte adotando práticas da Coreia do Norte. Causa preocupação, assim, a decisão do juiz Sergio Moro de divulgar publicamente os grampos telefônicos.
A lei de interceptação telefônica em vigor no Brasil (lei 9.296 de 1996) obriga o juiz a manter as escutas em sigilo.
O texto da lei não poderia ser mais claro, dizendo em seu artigo 8º: "A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas". Isso não foi respeitado.
A situação agrava-se ainda mais na medida em que parte das escutas foram feitas após determinação judicial para que a interceptação cessasse. Essas escutas não são sequer admissíveis nos autos. São o que na doutrina jurídica se costuma chamar de "fruto da árvore envenenada": prova obtida sem amparo de autorização legal.
Limites aplicam-se também a escutas envolvendo cargos com foro privilegiado ou conversas protegidas pelo sigilo entre advogado e cliente. Diante da gravidade da crise política, esses direitos podem parecer "menores". Mas não são.
Como a maioria dos brasileiros, tenho grandes expectativas com relação à operação Lava Jato. No entanto, agora que a operação chega a um momento crítico, ela não pode sucumbir à tentação de que "os fins justificam os meios". A legalidade é um valor essencial em momentos de crise. O preço de agir fora dela é alto demais.
A questão transcende o Brasil. Um dos temas mais importantes do mundo contemporâneo é justamente os limites do uso da tecnologia para fins de vigilância. Nossos celulares e computadores não são meros produtos de consumo. São as mais poderosas ferramentas de escuta já criadas.
Essa é uma das maiores ameaças ao progresso humano. No artigo "Surveillance and the Creative Mind" (A Vigilância e a Mente Criativa), o especialista em política externa Tim Ridout diz que "na história, aqueles que questionam o saber tradicional ou as estruturas existentes de poder invocam o desejo de vingança do status quo, como Galileu, Martin Luther King, ou Ai Wei Wei".
Edward Snowden costuma dizer que a defesa contra a vigilância é a própria tecnologia. Na visão dele, todos deveríamos adotar medidas técnicas para resguardar nosso sigilo. Considero essa posição derrotista. Em um contexto em que a tecnologia se torna onipresente, a principal forma de proteção contra a vigilância não pode ser "fogo contra fogo", mas sim a lei.
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade