análise
Brasil encena seu motim contra o status quo
Em meio aos protestos na avenida Paulista que se seguiram à nomeação de Luiz Inácio Lula da Silva para chefe da Casa Civil eis que surge, inopinadamente diante das câmeras de TV, um cartaz que estende o "fora PT" para "fora PSDB" e "fora PMDB".
Foi uma aparição tão fugaz que nem deu para ver se havia outros contemplados com o "fora", mas era o suficiente para se dizer que as manifestações públicas dos últimos dias compõem o capítulo Brasil do que o filósofo inglês Julian Baggini chama de "motim contra o status quo".
Bingo. Há de fato revolta global contra o establishment, de que dá prova a fulminante ascensão de Donald Trump nas primárias republicanas –motivo pelo qual o filósofo cunhou a expressão "motim contra o status quo".
Embora, como empresário milionário e figura da TV convencional, Trump seja parte intrínseca do establishment, ele se apresenta como "outsider" e parece ser essa a razão de suas seguidas vitórias nas primárias republicanas.
No Brasil, o filósofo Renato Janine Ribeiro concorda que há esse motim, mas diz que ele "sempre existiu".
É natural, no entanto, que esse tipo de movimento pegue no breu quando as coisas pioram, como ocorre agora.
O fato de a corrupção estar no centro dos protestos é um clássico, diz Janine Ribeiro.
"As respostas automáticas dos brasileiros [quando as coisas pioram] são, de um lado, achar que tudo de ruim que acontece é fruto da corrupção, e, de outro, achar que quem governa ou mesmo que faz oposição é ladrão."
Explica-se, assim, o cartaz em uma manifestação contra o governo de turno que ataca também a oposição de turno.
Que o motim antiestablishment é antigo, prova-o a Argentina: em 2001, no auge de uma crise econômica não muito diferente da atual, o grito de guerra nas ruas era "que se vayan todos".
Foi bem-sucedido no primeiro momento: o presidente de turno (Fernando de la Rúa) foi defenestrado, mas seus sucessores não foram nenhuma novidade, muito pelo contrário.
Que o motim antistatus-quo é disseminado prova-o a Europa quase toda. Na Espanha, as eleições de dezembro produziram um impasse: para chegar à maioria absoluta necessária para formar governo, é preciso uma coalizão dos quatro grandes partidos, incompatíveis entre si.
Por isso, a Espanha continua com um governo interino, três meses após o voto.
Na Alemanha, nas eleições regionais de domingo (13), ascendeu um movimento tão antiestablishment que prega até a saída do euro, a moeda comum de países europeus.
Na Europa, o jornal espanhol "El País" explica assim esse tipo de movimento: "A crise financeira causou inseguranças e estados de ânimo propícios para os interesses extremistas. Em seguida, vieram os refugiados. A resistência da UE em assumir centenas de milhares de refugiados de forma coordenada catapultou as teses populistas de medo e caos".
No Brasil, o pano de fundo é diferente, depõe Janine Ribeiro. Tratar-se-ia de "uma cidadania muito fraca, que a direita não tem interesse em ilustrar e que a esquerda prefere fidelizar com aumento de renda e do consumo".
Talvez por isso, as massas se jogam às ruas, ou para defender, como na sexta (18), quem lhes deu aumento de renda ou para criticar todos os partidos que ajudaram a criar o imbróglio que agora come o aumento de renda e do consumo.
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