Impeachment gera reações e atritos em bares de Brasília
Johanna Nublat/Folhapress | ||
Grupo assiste votação pelo seguimento do processo de impeachment em bar de Brasília |
"Olha a contagem regressiva", anunciava o garçom do bar Libanus, em Brasília, assim que o placar do impeachment na TV chegou a 322 votos.
Clientes vibraram e aplaudiram. Faltavam apenas 20 votos para que o processo fosse autorizado a seguir no Congresso.
"Vai dar impeachment, mas até que esse resultado saia, ficamos apreensivos", disse o aposentado André Fortes, 62, camiseta amarela e verde com dizeres pró-impeachment. "Amanhã tinha que ser ponto facultativo", disse a empresária Renata Faria, 36, que parou no bar junto com um grupo de amigos após a manifestação.
A cada voto a favor do impedimento, o grupo gritava "fora, corruptos!". Já votos contrários, recebiam a alcunha de "vendido!".
Em Brasília, a votação do impeachment que levou a Esplanada dos Ministérios a ser separada ao meio por um muro gerou divisões também nos bares.
No Bierfass, bar no Lago Sul, as TVs ganharam volume alto assim que começou a votação. Garçons revezavam o atendimento com o olhar atento à telinha. Lá, a maioria do público era favorável ao impeachment. "Peguei outro traíra aí", dizia um cliente, enquanto tirava fotos dos deputados na TV votavam contra a deposição da presidente.
Quando o deputado Paulo Maluf (PP-SP) votou a favor, houve aplausos e gritos. "Rouba mas faz! Meu prefeito!", disse outro, aos risos. "Tchau, Dilma!"
Com o avanço da votação, o advogado Fabrício Rubiale, 41, comemorou: "Está maravilhoso". "Participei do movimento estudantil. Pude conhecer de perto o PCdoB e o PT. Cheguei a acreditar nesses partidos. Rapidamente percebi que era muito discurso e pouca prática", disse ele, que veio de Vitória (ES) para acompanhar a manifestação.
Já no Libanus, a divisão começou mais cedo. No início da tarde, clientes vestidos de verde e amarelo gritaram palavras de ordem contra outros, vestidos de camisetas vermelhas. "Vai ter impeachment", disse o grupo, que ouviu em resposta: "Não vai ter golpe."
A cena fez com que a assessora especial Cristiane Nascimento, 35, resolvesse voltar ao bar horas depois, já à noite, para acompanhar a votação.
"Vi que tinha mais gente do nosso lado", diz ela, que é a favor do impeachment e filmou a cena —as provocações, diz, foram apenas verbais. Estava certa sobre a maioria: à noite, havia apenas um cliente de camiseta vermelha, alvo de gritos de "Tchau, querido".
"O bar todo estava contra mim", disse o funcionário público Cláudio Cardoso, 51, que afirma ser contra o impeachment. "Pela democracia com que Dilma foi eleita com o voto do povo. Temos a convicção de que vai ser barrado no STF."
Mesmo favoráveis ao impeachment criticavam as repetidas falas dos deputados sobre votar em favor da família. "Fazem tudo pela família, mas e o eleitor?", disse a dona de casa Fernanda Curi, 44.
Também não havia consenso sobre quem seria a melhor opção após possível saída da presidente. "Para tirar a Dilma e o Lula, é preciso engolir esses caras por um tempo", disse a assistente social Adriana Guedes, 44, referindo-se ao vice-presidente, Michel Temer (PMDB-SP), e ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
CONTRA A SAÍDA
Com o desenrolar da votação, no início da noite, o grupo de pessoas contrárias ao impeachment que se reunia no 400, um pequeno bar alternativo na Asa Norte, foi ficando agitado, se aproximando da TV, fazendo contas e falando mais alto.
Renata Agostinho, 44, comparou a longa votação a um jogo de basquete. "Você sofre muito, mas só importam os últimos cinco minutos." Agostinho reclamou dos deputados que diziam votar em defesa da família. "É muito previsível se vai votar 'sim' ou 'não'. Se começa a falar de família, é 'sim'."
Um meme compartilhado entre amigos dela ironizava o termo: "Por minha Famiglia, voto sim'".
"Pela minha mãe, meu pai e pela Xuxa, eu voto sim", brincou Cláudia Maia, 48, funcionária pública, imitando os deputados pró-impeachment. "É uma vergonha isso."
Em outra mesa do bar, o jornalista Júlio Araújo, 45, se dizia surpreso com tantos deputados se pronunciando contra a corrupção "falando de frente para a corrupção, de frente para o Eduardo Cunha". Araújo confiava nos votos do Nordeste para salvar o placar em favor da presidente Dilma.
Na mesa vizinha ao jornalista, um funcionário do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que não quis se identificar festejou sucessivos votos do Ceará contrários ao impedimento. "Se o Brasil tivesse dez Cearás..."
"Tchau, querido!", gritou uma cliente após um voto em favor do impedimento, usando ironicamente a frase do grupo pró-impeachment.
Com 327 votos a favor do impeachment, as cadeiras do bar começaram a ser recolhidas.
Apesar de o placar caminhar para uma decisão contrária à presidente Dilma, o grupo manteve o bom humor até o final. "Tá quanto? Tá foda. Tá foi", disse Renata Agostinho, respondendo a uma pergunta sobre o resultado.
"NÃO É COPA DO MUNDO"
Enquanto o Congresso ainda se preparava para iniciar a sessão e manifestantes favoráveis e contrários à presidente Dilma se juntavam na Esplanada dos Ministérios, o clima nas ruas de Brasília era calmo.
Shoppings na área central da cidade fecharam as portas e havia pouco movimento —com exceção da manifestação na Esplanada e de bares e restaurantes. Em parte dos estabelecimentos, TVs estavam ligadas transmitindo notícias sobre o impeachment.
Apesar do clima de aparente tranquilidade, o resultado da votação era uma preocupação comum.
"Está todo mundo ligado, mas não é a Copa do Mundo. Está todo mundo triste. Não são duas torcidas, são dois adversários", afirmou o corretor Alexandre Sola, 43, que passeava com a família em volta do lago Paranoá no início da tarde. A comparação com uma final de campeonato de futebol era recorrente.
"Qualquer coisa que acontecer hoje será ruim. Todos sentem na pele o desgoverno da Dilma, mas ninguém acredita que vem alguma coisa boa", diz o comerciante Marcelo André, 67, que almoçava com a família, mas não desligava dos fones de ouvido por onde ouvia as notícias pelo rádio. "Não dá para comemorar, para um lado ou para o outro. É como assistir a um jogo de dois times estrangeiros", completou.
No bar Boteco, na Asa Sul de Brasília, no entanto, o gerente Antônio Moreira optou por separar futebol e política. Segundo ele, clientes haviam ligado mais cedo manifestando interesse de ver uma partida. Outros queriam ver o destino de Dilma.
A solução encontrada foi deixar uma TV em cada parte do salão para cada opção. "Muita gente não vai à manifestação, mas vem para o bar assistir", disse.
Nas ruas, era comum ouvir buzinas entre os carros. Também havia quem circulasse com placas de "Tchau, querida", frase utilizada por movimentos pró-impeachment.
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