Opinião
Cunha repete prática comum de grandes casos de corrupção
Pedro Ladeira/Folhapress | ||
O deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no Conselho de Ética da Câmara |
O deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) pode virar o símbolo no Brasil da campanha "Desmascare o Corrupto", da ONG Transparência Internacional (TI).
Quando lançamos a campanha "Não à Impunidade", há dois anos, o também deputado brasileiro Paulo Maluf (PP-SP) acabou virando símbolo internacional da campanha, pela inacreditável saga épica de seus processos na Justiça brasileira –que não encontram fim (e punição)– e pela situação surreal de constar, simultaneamente, na página web de procurados da Interpol e na página web de parlamentares da Câmara dos Deputados brasileira.
O deputado afastado Eduardo Cunha disse nesta quinta-feira (19), em seu depoimento à Comissão de Ética da Câmara, que se equivocou na entrevista que deu ao "Fantástico" explicando que não era dono da dinheirama encontrada no exterior, mas sim "usufrutuário" (sic) de um trust.
Na sessão da comissão, ele se retratou e disse que havia usado antes um "jargão jornalístico", que a expressão correta era "beneficiário". Agora sim o deputado afastado está utilizando a expressão mais em voga na luta global contra a corrupção e que está no cerne da campanha "Desmascare o Corrupto" da TI.
A prioridade máxima da TI no combate à grande corrupção no mundo é acabar com as brechas legais que permitem ocultar o real beneficiário ou o beneficiário final de contas bancárias que são abertas em nome de pessoas jurídicas (trusts entre elas) –e que são utilizadas para ocultar patrimônio fruto de corrupção e outros crimes, para realizar transações internacionais de suborno e, na hipótese mais benigna, para evasão fiscal.
Segundo um estudo recente do Banco Mundial com 200 casos de grande corrupção, 70% deles se utilizaram destes mecanismos de ocultação do beneficiário final, aproveitando-se de jurisdições onde se permite a abertura de empresas (ou outras formas de pessoas jurídicas, como os trusts) sem que se tenha que revelar quem é seu real beneficiário.
LAVA JATO
A Lava Jato tem uma profusão de exemplos do uso destes mecanismos. Nestor Cerveró é um deles. Antes de se mudar para a carceragem da Polícia Federal em Curitiba, Cerveró vivia em uma cobertura dúplex em Ipanema, no Rio, onde pagava R$ 3.650 de aluguel para a proprietária do imóvel (o valor estimado de aluguéis semelhantes na área está entre R$ 15 mil e 20 mil mensais).
A proprietária era a empresa Jolmey do Brasil Administradora de Bens Ltda., uma firma sem empregados e com sede em uma casa abandonada em Saquarema (RJ). A Jolmey não administrava outros bens além da cobertura de Ipanema que alugava para Nestor e, depois, para sua esposa Patrícia Cerveró.
A Jolmey do Brasil era subsidiária de uma offshore do Uruguai, da qual Cerveró era o beneficiário final oculto. Ele também era beneficiário de outras contas na Suíça, registradas por empresas de Belize e Panamá, por onde passava o propinoduto internacional que desaguava em Ipanema.
Os "Panama Papers" sacudiram o mundo e evidenciaram, como nunca, os absurdos do sistema financeiro internacional que permitem que corruptos se mantenham ocultos, facilitando os desvios nas casas dos milhões e bilhões e dificultando os processos de investigação, punição e recuperação de ativos.
Os países estão cada vez mais se movendo para fechar estas brechas –até por medo do terrorismo internacional, que também se utiliza em larga escala delas. Não se trata de um problema restrito aos chamados "paraísos fiscais", mas vários países, inclusive do mundo desenvolvido, se não permitem que se registrem empresas anonimamente, permitem que recursos oriundos destes locais operem em seus mercados e adquiram propriedades sem grandes restrições e controles.
DEFICIÊNCIAS BRASILEIRAS
Recentemente, a TI publicou um estudo sobre o cumprimento das recomendações do G20 sobre transparência do beneficiário final. O Brasil foi avaliado e se saiu bastante mal.
Entre as principais deficiências apontadas foram a falta de definição na normativa brasileira de "beneficiário final", a possibilidade de empresas serem abertas no país com sócios estrangeiros ocultos e a falta de um registro integrado e público dos beneficiários finais de empresas.
Há que se reconhecer, no entanto, que o país tem feito importantes esforços para cumprir com as recomendações internacionais, tais como a recente Instrução Normativa da Receita Federal, que estabelece uma definição para "beneficiário final" e obriga a revelação destes para qualquer sócio estrangeiro de empresas registradas no país.
Há muito mais a se fazer e as mudanças passam pela modernização, integração e publicidade dos registros em cartórios e juntas comerciais do país.
A sessão de ontem da Comissão de Ética foi, novamente, marcada pelo cinismo e o insulto à inteligência do cidadão brasileiro. Mas pelo menos serviu para trazer para o debate público nacional o que é, talvez, o principal tema hoje da luta contra a grande corrupção no mundo.
Esta corrupção na casa dos milhões e dos bilhões só é possível através destes mecanismos que permitem que os corruptos se beneficiem –ou "usufruam", dá no mesmo– ocultamente das fortunas que nos roubam.
BRUNO BRANDÃO, economista, é o representante da Transparência Internacional no Brasil
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