Diretor de estatal de SP usa carro oficial para compromissos políticos
O relógio marcava 15h40 da quinta-feira 21 de julho quando o Chevrolet Cruze de cor prata estacionou no lado direito da rua Prudente Correia, no Jardim Europa, bairro nobre da capital paulista.
Desceu do automóvel no lado do passageiro o diretor administrativo da Cesp (Companhia Energética de São Paulo), Márcio Rea, que caminhou poucos metros até entrar no sobrado amarelo de número 141.
Ali funciona o escritório político de João Doria, candidato a prefeito pelo PSDB. O diretor da companhia, controlada pelo governo tucano de São Paulo, ficou no quartel-general da campanha de Doria por três horas.
Às 19h40, seguiu para um centro espírita no bairro do Butantã. O motorista ficou esperando numa padaria.
O roteiro desse dia é a síntese do que a Folha registrou durante três semanas.
O carro pertence à empresa de locação Rentauto e é alugado pela Cesp para executivos em obrigações profissionais ligadas à estatal.
Fica à disposição do executivo também outro Chevrolet Cruze, de cor escura.
A Folha constatou que Rea utilizou os carros alugados pela Cesp para encontros com fins partidários, o que é vedado pela lei eleitoral, e em horário de expediente.
Além disso, usou os automóveis e motoristas pagos com dinheiro público para transportar sua família para compromissos particulares.
No dia 27 de julho, a bordo do Cruze de cor escura, Rea foi até o escritório de Doria, às 14h50, onde ficou apenas 20 minutos.
Seguiu de lá para a Rua Itápolis, número 1.600, no bairro do Pacaembu. No local funciona o escritório político do senador José Aníbal, do PSDB, onde acontecia uma festa de confraternização.
Rea tem ligações com Aníbal. Foram colegas de conselho da Empresa Metropolitana de Águas e Energia, entre 2011 e 2013, ocasião em que Aníbal era secretário estadual de Energia de São Paulo.
O executivo da Cesp aparece na lista de doadores da campanha de Aníbal para deputado federal, em 2006, com R$ 6.000 de contribuição. Aníbal foi eleito na ocasião.
Márcio Rea ficou no escritório do senador das 17h35 até as 18h30. A bordo do carro pago pela Cesp foi então para uma academia na Bela Vista. Lá, fez aulas de pilates.
Ele saiu por volta das 20h15. Dessa vez, dispensou o motorista ainda no estacionamento da academia e saiu dirigindo o carro alugado pela companhia.
No dia seguinte, uma mudança na rotina. Em vez de ir para o escritório político de Doria, Rea foi até o comitê de campanha do tucano, na Avenida Europa 728.
O carro alugado ficou estacionado na rua de trás do comitê mesmo havendo vagas na frente do prédio.
Em pelo menos uma ocasião, Rea foi até o escritório político de Doria acompanhado do gerente da Cesp Alexandre Pereira Campos. Cada um foi com um carro.
Rea chegou no Cruze de cor escura e Alexandre, no Pálio Weekend branco, placa FWJ 7121, também alugado pela Cesp. Ambos contavam com motoristas.
Neste dia, o Cruze usado por Rea se deslocou para transportar sua filha. O motorista do executivo levou-a até uma casa na Vila Sônia.
CRISE
A Cesp passa por graves problemas financeiros por causa da combinação da crise hídrica pela qual o Estado de São Paulo passou em 2015 com a deterioração do ambiente financeiro do país.
No ano passado, registrou prejuízo de R$ 61,4 milhões. Os consumidores foram chamados a dar sua cota de sacrifício arcando com aumento nas contas de luz.
Há três meses, o secretário da Fazenda de São Paulo, Renato Villela, reuniu-se com o banco de investimentos JP Morgan e disse que a companhia está à venda.
A Cesp informou que gasta com os carros que servem Márcio Rea e Alexandre Pereira Campos o valor de R$ 7.324,98 mensais.
OUTRO LADO
Procurada, a Cesp (Companhia Energética de São Paulo) afirmou que abrirá apuração interna com conclusão prevista em 30 dias.
Em nota, a empresa afirma que "não tinha conhecimento da prática relatada pela Folha". A empresa pedirá ao jornal acesso aos vídeos.
A Cesp diz que os carros alugados pela empresa destinam-se a compromissos diretamente relacionados ao trabalho na estatal.
A nota afirma ainda que "no caso concreto, o diretor, indagado, alegou restrições físicas e apresentou o atestado médico".
Na última quarta (10), a Folha abordou Márcio Rea na saída da aula de pilates. Eram 20h30 horas e o motorista o aguardava com o carro alugado pela Cesp.
Questionado sobre o uso do carro pago pela estatal, ele disse: "Esse carro é locado, mas não é da Cesp. Ele só veio me pegar porque estou com dor na perna", disse.
Sobre as idas até o escritório político de João Doria, ele inicialmente negou. Ao saber que a Folha tinha imagens provando o contrário, voltou atrás. "Se eu for lá, vou fora do expediente. À noite", disse. Confrontado novamente de que havia imagens dele no local à tarde, silenciou.
Por e-mail, na sexta-feira (12), Rea disse que usou os veículos alugados pela Cesp "única e exclusivamente para locomoção até sessões de fisioterapia prescrita em receituário médico".
E acrescentou que, "sem ser convidado", decidiu ir até o escritório de Doria por ser simpatizante da legenda.
Prometeu ainda ressarcir a estatal paulista pelos custos de locomoção durante o seu tratamento.
O atestado médico enviado pela Cesp é datado da última quinta-feira (11), um dia após o diretor da Cesp ter sido abordado pela Folha.
O atestado afirma que entre 6 de julho e 11 de agosto o diretor, por problemas na coluna, estava proibido de fazer esforço.
A campanha do candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, João Doria, afirma "que nem Márcio Rea nem Alexandre Pereira Campos têm qualquer relação com a campanha".
A assessoria do senador José Aníbal (PSDB-SP) disse que mantém "relação cordial" com os citados.
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