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Sísifo

O pobre grego foi o primeiro GIF: está preso num microvídeo circular infinito

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Tudo começou com uma paixão irremediável. Apaixonei-me por um jovem rapaz e, por não termos qualquer atração sexual um pelo outro, tivemos que inventar um trabalho. Pra isso serve o teatro, afinal, pra canalizarmos de outro jeito a energia sexual. Fazer teatro é uma maneira de transar com pessoas sem precisar tirar a roupa (embora tão frequentemente a gente acabe tirando). 

Foi assim que começamos a escrever uma peça juntos, Vinicius Calderoni e eu.

A sacada veio dele, num dia inspirado: Sísifo foi o primeiro GIF. O pobre grego condenado a rolar uma pedra ladeira acima —mesmo sabendo que ela vai rolar ladeira abaixo— está preso num microvídeo circular infinito. À pedra, à subida e à montanha podem ser atribuídas as legendas mais diversas, como num meme. 

Descobrimos, pra usar uma palavra cara aos contemporâneos, o nosso “dispositivo”: o ator passaria a peça inteira subindo e descendo uma rampa, e eu esqueci que o ator era eu, um sedentário convicto que morreria ao fim de cada espetáculo.

Mas o dispositivo funciona e explica tanta coisa. “A história se repete”, teria dito Marx, “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa e a terceira como um GIF”. A história do Brasil é a história do rompimento de barragens, a história das relações amorosas, é a história de um desmoronamento —e nem por isso ninguém deixa de se apaixonar. A história da humanidade é a história de um progresso cujo custo, ao que parece, será o fim da civilização.

Escrevemos juntos, Vinicius e eu, mas Vinicius escreveu muito mais do que eu. Os gênios que conheci na vida eram caóticos ou preguiçosos, e Vinicius é um tipo inusitado de gênio, que é o gênio virginiano. Pra cada ideia de cena, Vinicius trazia três opções diferentes, e todas eram brilhantes, então tínhamos que usá-las todas.

Antonia, minha amiga de 12 anos, perguntou, ao fim da peça, a única coisa que importa: “Por que é que Sísifo continua empurrando a pedra ladeira acima mesmo sabendo que ela vai rolar ladeira abaixo?”.

No impulso, respondi com outra pergunta: “A gente não continua acordando todos os dias mesmo sabendo que vai morrer?”. Mas me arrependi no momento em que terminei a frase e vi seu semblante de pânico. Camus, 70 anos atrás, já tinha dito muito melhor: “A própria luta para chegar ao alto basta para encher o coração de um homem”. Aí, sim. Mas também não sei se ajuda muito.

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