Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman
Entrevista com vampiros
Jornalismo tenta expor extremistas, que expõem dificuldades do jornalismo
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"60 Minutes" é uma instituição do jornalismo americano, há mais de meio século no ar. No último fim de semana, porém, o programa da CBS foi imolado nas redes sociais antes mesmo de começar. Uma chamada de divulgação da emissora no Twitter apresentava a atração do episódio, Marjorie Taylor Greene, deputada republicana de extrema direita do estado da Geórgia, apoiadora do ex-presidente Donald Trump e que promove teorias conspiratórias absurdas do QAnon.
Ao tuíte faltava exatamente essa descrição. O programa abriria espaço para alguém que generaliza políticos democratas como pedófilos e explica incêndios na Califórnia como obra de lasers espaciais judeus. O anúncio da CBS mostrava a deputada de forma neutra, como alguém "que não tem medo de dividir suas opiniões, não importa o quão intensa elas sejam". Intensa, no caso, é eufemismo para opiniões racistas, antissemitas e homofóbicas, entre outros adjetivos. Segundo os críticos, figura tão divisiva não deveria ganhar espaço na imprensa e, se inevitável, deveria ser tratada como o que é, uma extremista.
Algo parecido ocorreu com a Folha na semana anterior. Na continuação de sua série sobre o bolsonarismo, o jornal entrevistou Steve Bannon, o "estrategista da ultradireita global", como é classificado na reportagem. Bannon mente com veemência por toda a entrevista, dizendo que Trump foi roubado em 2020, assim como Jair Bolsonaro, em 2022, e que os invasores do 8 de Janeiro eram "guerreiros da liberdade". Quem quebrou a lei, diz, deve ser punido, isso se não ficar provado que "foram instigados por agentes federais". A única verdade no discurso extremista é a conveniência.
Como no caso da CBS, leitores da Folha se queixaram do espaço dado a alguém que pouco acrescenta ao debate público. Bannon, Greene e outros não defendem pontos de vista, não querem explicar nada; pelo contrário, se esforçam para manter uma aura que vai da certeza cega à conspiração, o que melhor encaixar na frase, não importa o que foi dito antes ou será defendido depois.
"Steve Bannon vê Bolsonaro fortalecido com acusações na Justiça e aposta em Eduardo", diz o título da Folha, que não reflete o caráter aleatório e oportunista do entrevistado. É um jogo ruim: o jornal segue o manual, o extremista resta como sério, legitimado pela seriedade que toma do entrevistador. O resultado nunca é equilibrado, mas o jornalismo não é capaz de contorná-lo.
Ouvir e expor o contraditório é uma obrigação da imprensa profissional. A luz do dia, dizia o publisher deste jornal, é o melhor desinfetante. A questão que se impõe agora é o que fazer quando germens e outras criaturas da noite, no lugar de serem eliminados, como sempre se deu, passam a se alimentar da luz também.
O primeiro passo talvez seja entender que, confrontada com o extremismo, a sensibilidade dos leitores também se modificou. A linha do intolerável está mais próxima.
Teoria e prática
Um novo ataque em escola renovou a necessária discussão sobre o tratamento concedido pela mídia a agressores. É preciso dar limites à exposição de crimes e criminosos e evitar o estímulo a novos eventos, recomendam vários estudos.
No advento do noticiário em Blumenau, veículos vieram a público para explicar que omitiriam informações e imagens do homem que invadiu a creche para inibir sua glorificação e o efeito contágio. O Estado de S.Paulo anexou nota em sua cobertura; o Grupo Globo se posicionou por meio de reportagem; a CNN Brasil explicou seguir orientação do Ministério Público. Na contramão, entre outros, a Folha publicou nome e foto do agressor, e o site Metrópoles deu até um vídeo.
Por coincidência, no mesmo dia do ataque, Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública de São Paulo, em artigo no Tendências / Debates, pedia "responsabilidade ao informar". Horas depois, Thiago Amparo, citando o Estadão como exemplo, escrevia que "não entenderemos o horror se o naturalizarmos". Quando opiniões díspares convergem, é preciso prestar mais atenção.
Em reportagem sobre o assunto, a Folha explicou que publicou as informações sobre o assassino "por entender que há relevância jornalística". Diferentemente dos concorrentes, o jornal acredita que o debate precisa ser feito caso a caso.
Faz falta o quesito emergência na equação racional da Folha. São Paulo registrou 279 ameaças a escolas logo após o assassinato da professora Elisabeth, na Vila Sônia. O tempo para debates está esgotado.
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