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Guilherme Derrite

Ataques a escolas e a responsabilidade ao informar

Exposição inadequada na mídia inspira jovens suscetíveis a atos violentos

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Guilherme Derrite

Secretário da Segurança Pública do estado de São Paulo

O secretário da Educação do estado de São Paulo, Renato Feder, e eu tivemos a oportunidade de alertar os jornalistas presentes na entrevista coletiva referente ao deplorável ataque ocorrido em 27 de março na escola estadual Thomazia Montoro, na zona oeste da capital paulista, sobre os riscos da superexposição de vídeos das agressões cometidas.

Os motivos são muito relevantes. Há comprovado "efeito contágio" em ocasiões como essa, cuja exposição inadequada na mídia inspira jovens suscetíveis a também manifestarem comportamento violento. E há também o respeito às vítimas e seus familiares e pessoas queridas, que são novamente agredidas a cada veiculação das imagens.

O efeito contágio é muito claro no caso presente, que deixou uma professora morta e cinco pessoas feridos. O agressor da escola Thomazia Montoro adotava nas redes sociais o sobrenome do autor do massacre de Suzano (SP), que vitimou oito pessoas em 2019. Ele também usava uma máscara de caveira, a mesma empregada tanto na tragédia de Suzano como pelo adolescente que atacou duas escolas em Aracruz (ES), em novembro passado.

E ainda mais grave: apenas no dia 27 de março, quando havia ampla cobertura jornalística sobre o ataque e a exposição dos vídeos, outros cinco jovens foram flagrados com armas brancas em ambientes escolares, e uma sexta escola teve um banheiro pichado com ameaças. Até o término da semana, os casos já passavam de 55 apenas na área do Demacro (Departamento de Polícia Judiciária da Macro São Paulo), que abrange, à exceção da capital, toda a região metropolitana.

Ou seja: o agressor da escola da Vila Sônia não apenas se inspirou em ataques anteriores, mas certamente também inspirou novos agressores. Todos ostentando símbolos, linguagem e máscaras iguais.

Não se questiona aqui a liberdade de imprensa, mas sim a divulgação de imagens e detalhes que, comprovadamente, ajudam a reproduzir a violência. Diversos estudos realizados nos Estados Unidos (Boyd, 2021 e Johnston e Joy, 2016, por exemplo) esmiuçaram a distribuição e a característica de centenas de ataques realizados em escolas desde os anos 1990. Concluíram que boa parte dos agressores autores dos atentados está em busca de notoriedade e quer imitar autores anteriores, que ficaram famosos graças à exposição na mídia. A distribuição espacial e temporal dos tiroteios em massa não é aleatória, mas são mais prováveis depois de um incidente coberto pela mídia ou com forte presença nas redes sociais.

É uma dinâmica parecida com a dos suicídios, pois é reconhecido desde o século 19 que relatos na mídia fazem com que pessoas predispostas se matem. É o "efeito Werther", uma referência ao livro "Os Sofrimentos do Jovem Werther" (1774), de Johann Wolfgang Goethe, que causou uma onda de suicídios na Europa.

Dezenas de associações médicas nacionais (inclusive a brasileira) recomendam não divulgar casos de suicídio, ou que o faça sem contar detalhes, como aconselha a Organização Mundial da Saúde —o que é saudavelmente cumprido pela mídia brasileira na maioria dos casos.

Seria muito positivo que, da mesma forma que o suicídio, outras formas de violência recebessem tratamento mais criterioso dos meios de comunicação. A cobertura de atentados em escolas deve prescindir de imagens e detalhes que acabam por inspirar novos ataques, além de desrespeitar vítimas e familiares.

O poder público tem que fazer a sua parte e pode fazer mais. O secretário Feder e eu anunciamos aos jornalistas reforços em diversas ações, como o Programa Conviva (com 300 profissionais dedicados a atendimentos de conflito e casos de depressão em escolas, promovendo práticas de compreensão e empatia), as 150 mil horas de atendimento psicológico presencial que serão contratadas, a Ronda Escolar (mais de 200 viaturas com mais de 500 policiais diariamente) e a Vizinhança Solidária Escolar. Mas todos podem contribuir com a segurança. Só em março, a Polícia Civil conseguiu identificar três adolescentes que planejavam ataques, em situações distintas, graças a um trabalho de inteligência.

A mídia, por sua enorme importância e pela responsabilidade dos seus profissionais, certamente pode aperfeiçoar procedimentos para a cobertura de fatos como esses.

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