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Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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A capa do processo

Comemoração da desgraça de Lula é expressão constrangedora da liberdade de pensamento

Lula acena de janela do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, na Grande SP, após decreto de prisão - Nelson Antoine - 06.abr.2018/ AP Photo

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Os ministros do Supremo Tribunal Federal insistem: o que está em jogo não é Lula, e sim o princípio constitucional da prisão em segunda instância. O alinhamento dos 11 ministros, involuntário ou inevitável, faz desaparecer do recinto do tribunal o seu nome e a sua reputação política.

A ficha cairia horas depois. Tratava-se, sim, de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, o mais popular de todos. O processo tem capa: o juiz Sérgio Moro, rápido, expede o mandado de prisão.

O paciente não precisa de algemas, ganha 24 horas para se apresentar e cela (sala) reservada para a proteção da sua integridade física e moral. O magistrado invoca uma espécie de nobreza punitiva que generais executam em filmes de guerra e que também costumava pautar, nos antigos regimes, a ação de carrascos atentos à qualidade de quem sobe ao patíbulo. Adiciona simbologia ao enredo burocrático e judicial.

É ruim prender Lula. É ruim deixar Lula em liberdade, pairando acima da lei. É casuísmo prender Lula porque a maioria do STF é frágil, efêmera. É casuísmo mudar a jurisprudência para socorrer Lula, candidato a presidente. É hora de prender. Não é hora de prender. Um livre pensador encontrará lógica e argumento respeitável nas duas direções. 

Mais sóbrios e sem as farpas costumeiras, enfrentam-se, de novo, os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso —bipolaridade que promete se intensificar na próxima década.

Gilmar muda de posição e lidera a tentativa da revisão jurisprudencial que beneficiaria Lula e outros políticos ameaçados de punição. PSDB e Michel Temer já estão na mira do Ministério Público Federal. Barroso profere o voto didático e moralmente comprometido com a correção do país “feio e desonesto”.

Invariavelmente destemido, Gilmar solta o verbo contra a escalada autoritária da Lava Jato, o escracho petista, o corporativismo (auxílio-moradia, férias em dobro, calendário, equiparações), a miséria carcerária e a “mídia opressiva”.

Professoral, Barroso vitamina as sentenças do Paraná e milita contra homicidas e corruptos impunes: ladrões, traficantes e suspeitos pobres são presos antes da segunda instância. Diz que o julgamento só afeta os ricos e acusa a advocacia, sua profissão anterior, de operar pela impunidade.

Para Barroso, sempre atento ao ruído da plateia, o juiz deve decidir conforme “o sentimento social filtrado pela razão”. A plateia, registre-se, destila ódio e intolerância contra Gilmar Mendes e tantos outros. 
Um é vítima de bullying e mergulha na impopularidade. O outro, almeja simpatia lavando a alma das pessoas de bem. Um é contrapeso do outro.

O mal-estar cresce. A violência urbana é desmedida. A economia patina. Juízes e, agora, militares falam demais. A comemoração da desgraça pessoal de Lula é expressão constrangedora da liberdade de pensamento. A prisão do ex-presidente atinge a autoestima de eleitores e oponentes.

Vai prevalecer a narrativa do herói injustiçado, condenado sem provas, ou a narrativa da autoridade implacável contra a corrupção sistêmica? 

Sem espaço aparente para diálogo ou para a construção de uma pauta positiva mínima, capaz de aglutinar esforços de renovação à direita e à esquerda, a imprevisibilidade política é total.

lfcarvalhofilho@uol.com.br

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