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Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

Paraíso urbano para o aedes

Casos de dengue voltam a se espalhar devido a expansão urbana desordenada

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Em 2019, foi registrada a maior incidência de dengue nas Américas, quando foram reportados pouco mais de 3,1 milhões de casos, mais da metade deles no Brasil. Seguindo um padrão cíclico de epidemias a cada dois ou três anos, o país observa um aumento de casos de dengue em 2022. Até o final de maio foram reportados mais de 1 milhão de casos. A curva epidêmica desse período se assemelha à de 2019, com uma redução de apenas 9% dos casos, porém representa um aumento de 191% se comparado com o mesmo período de 2021.

Áreas críticas estão localizadas nas regiões Centro-Oeste e Sul do país. De novembro de 2021 a janeiro de 2022, as chuvas foram acima da média no Centro-Oeste, enquanto o Sul enfrentou estiagem severa. O clima é importante nessa análise, mas é preciso entender o contexto local. E esse entendimento começa por uma análise histórica.

Agentes de zoonoses fazem ação denominada Casa a Casa, na zona leste de São Paulo, que visa verificar possíveis criadouros do mosquito Aedes aegypti - Rivaldo Gomes/Folhapress

O mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, chikungunya, zika e febre amarela, não é nativo das Américas. Provavelmente chegou no continente em navios de tráfico transatlântico de escravos. Ao encontrar ambiente propício, o mosquito se expandiu no continente.

No Brasil, a febre amarela era um grave problema de saúde pública no século 19 e início do século 20. Após intenso controle, a febre amarela urbana foi eliminada em 1942 e o Aedes aegypti foi eliminado em 1958. O controle incluiu uso de inseticidas, destruição de criadouros, saneamento das casas, e isolamento das pessoas doentes. Com ações semelhantes promovidas pela Organização Pan-Americana da Saúde, o mosquito foi eliminado na maioria dos países das Américas.

Após o relaxamento das medidas de controle no final da década de 60, o Aedes aegypti foi reintroduzido no Brasil e nas Américas. Surtos de dengue foram reportados no começo dos anos 80 em Roraima e no Rio de Janeiro. Nos últimos 20 anos, as epidemias se tornaram mais frequentes e intensas. Dois terços dos casos de dengue reportados desde 1998 aconteceram entre 2010 e 2021, e a doença vem progressivamente se espalhando na região Amazônica. Além disso, zika e chikungunya foram introduzidas no Brasil em meados dos anos 2010.

A intensificação da transmissão da dengue acontece em um contexto de expansão urbana desordenada, com infraestrutura precária, tais como falta de acesso regular a água, esgoto e coleta de lixo. Segundo dados do Mapbiomas, de 1985 a 2020, esse crescimento informal representou, por exemplo, 52% da expansão urbana em Belém, 48% em Manaus, 24% na cidade de São Paulo e 10% na cidade do Rio de Janeiro. Esse contexto urbano é um paraíso para o aedes. Caixas-d’água e outros reservatórios não propriamente cobertos, calhas entupidas, depósitos de sucata e ferros-velhos sem cobertura e lixo acumulado são alguns dos criadouros do aedes encontrados em abundância.

O trabalho diário dos agentes de controle vetorial é árduo e vital. Entretanto, a velocidade com que novos criadouros aparecem devido à precariedade das cidades é mais rápida do que a capacidade de destruir criadouros existentes. As atuais ações de controle são de extrema importância para reduzir a transmissão e salvar vidas. Porém, não resolvem o problema de forma definitiva. A raiz do problema está no contexto urbano, nas desigualdades sociais.

Assim como a eliminação da malária demanda respeito à floresta e aos povos da floresta (conforme ressaltei no mês passado), o controle da dengue necessita de uma política de habitação e de infraestrutura urbana que mitigue as consequências da expansão desordenada. Isso não é apenas uma questão de saúde pública, mas também de direitos humanos e justiça social.

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