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Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

Descrição de chapéu Congresso Nacional

Estado capturado

Patrimonialismo usa de artimanhas contra a concorrência na economia e na política

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A PEC Kamikaze mostra que cruzamos o sinal vermelho. Há tempos, o setor privado brasileiro se beneficia de subsídios e de restrições à concorrência que protegem empresas ineficientes.

A novidade é os congressistas tentarem institucionalizar práticas similares para seu próprio benefício, criando leis que restringem a concorrência eleitoral e que ampliam o seu acesso a recursos do Tesouro para interesses paroquiais.

A dimensão da captura do Estado por grupos organizados é menosprezada no debate sobre crescimento econômico.

Desde o fim dos anos 1970, crescemos menos que os países desenvolvidos e bem menos que muitos emergentes. O debate sobre o nosso atraso contrapõe liberais, que defendem controlar a expansão do gasto público, e desenvolvimentistas, que advogam aumentar os investimentos liderados pelo Estado.

Uns temem que o aumento do gasto público leve a maiores taxas de juros e de inflação, além da redução dos investimentos, o que agravaria o quadro de baixo crescimento; outros acreditam que a retomada do crescimento passe por uma maior intervenção do governo.

Esse debate usualmente desconsidera que a política pública no Brasil, incluindo parte relevante do aumento do gasto, é capturada por atividades improdutivas, beneficiando grupos localizados em detrimento da maioria.

O discurso oficial da PEC dos Precatórios, por exemplo, defendia aumentar a transferência de renda para os mais pobres. A medida, porém, trouxe de carona recursos adicionais para as emendas de parlamentares, seguidas por denúncias de malfeitos e gastos ineficientes.

Essa prática não tem ideologia; ocorre tanto no governo atual como ocorreu em administrações anteriores. Na década de 2000, por exemplo, houve amplo subsídio ao investimento. No entanto, a queda do custo do financiamento de grandes empresas não expandiu o investimento privado, apenas aumentou a distribuição de lucros para os acionistas (Lazzarini e outros, "What do state-owned development banks do? Evidence from BNDES 2002-09", World Development, n. 66).

De 2009 a 2014, o gasto público primário cresceu 36% acima da inflação, em meio a desonerações para diversos setores, como a indústria química. Os subsídios concedidos pelo BNDES custaram ao Tesouro quase R$ 95 bilhões. A economia, no entanto, desacelerou a partir de 2010, com um breve repique em 2013.

A frustração com essas políticas não deveria surpreender. Boa parte do desenvolvimento dos países é explicada pelo aumento da produtividade, que mede a capacidade de produzir bens ou serviços com a mesma quantidade de capital e trabalho.

Cerca de 80% do crescimento da economia dos EUA entre 1948 e 2013 decorreu do aumento da produtividade. Mais da metade da diferença de renda entre países ricos e principais países emergentes está associada a diferenças na produtividade. Estes últimos protegem bem mais empresas ineficientes (Jones, "The Facts of Economic Growth", Handbook of Macroeconomics).

A inovação de produtos, técnicas produtivas ou métodos de gestão usualmente ocorre no setor privado, induzida pela concorrência entre empresas por melhores resultados. Trata-se de um processo descentralizado de tentativa e erro, em que não se sabe de antemão qual será exitosa. Muitas fracassam, mas as inovações bem-sucedidas se disseminam e aumentam a produtividade (Aghion e outros, "The Power of Creative Destruction").

Por outro lado, a maior proteção de empresas ineficientes, a restrição à concorrência e o direcionamento estatal do investimento por vezes inibem a inovação e induzem a adoção de técnicas de baixa produtividade, prejudicando o crescimento, como ocorreu com a nossa lei de informática.

Isso não significa que o Estado deva abster-se de intervir na economia, mas, sim, que esse processo é política e tecnicamente mais complexo do que sugere o debate atual.

Há também evidência de que, por problemas de desenho e de implementação, o gasto público é menos eficaz no Brasil do que em outros países, como se observa no caso da educação. Devemos ir além da simples contraposição entre austeridade e maior gasto público. Quais as razões da ineficiência da intervenção do Estado? Que mecanismos permitem a grande captura da política pública por grupos organizados, que pouco resulta em desenvolvimento?

Em vez disso, congressistas da situação e da oposição continuam a conceder subsídios para interesses privados sem avaliação cuidadosa de impacto e sem mecanismos de controle que garantam o aumento da produtividade e da maior inclusão social. As emendas parlamentares permitem que cada congressista gaste dezenas de milhões de reais por ano como desejar, sem coordenação das políticas públicas, refletindo a fragilização do Executivo.

Não lhes interessa se as medidas adotadas são socialmente pouco eficazes ou vão prolongar a alta inflação e o baixo crescimento. A responsabilidade fica com o Planalto, enquanto os parlamentares se vangloriam das benesses localizadas, como se uma coisa não tivesse a ver com as demais.

A PEC Kamikaze é um exemplo de como grupos com poder de mobilização, como caminhoneiros, conseguem obter privilégios à custa do restante da sociedade. Mas ela vai além disso.

A redemocratização procurou coibir o uso do poder do Estado para beneficiar aliados eleitorais. Não mais. Com o solitário voto contrário de José Serra, a maioria dos senadores aprovou a PEC, que, a poucos meses da eleição, distribui benefícios insustentáveis. O coronelismo se vale de recursos públicos para favorecer seus candidatos.

Eleger presidente ou governador perdeu relevância. Importante é ser eleito para o Congresso. O acesso aos recursos públicos por parlamentares foi ampliado, neste governo, com as emendas de bancada e do relator.

O Fundo Eleitoral, criado em 2017, quase triplicou para esta eleição, garantindo financiamento aos aliados das cúpulas partidárias, em detrimento da concorrência. Os políticos do patrimonialismo cansaram de ser coadjuvantes.

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