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Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Bolsonaro nunca quis dar a Portugal o papel de mediador entre Brasil e Europa

Trata-se de um dos paradoxos da fábrica de falsidades e de fábulas do Itamaraty

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Trata-se de um dos paradoxos da fábrica de falsidades e de fábulas do Itamaraty.

De um lado, o chanceler promove o fascínio pelo Ocidente. Ernesto Araújo adora perorar sobre as raízes brasileiras na Grécia Antiga e elogiar os regimes autoritários da Hungria e da Polônia, que partilham uma visão mitológica da Europa.

De outro lado, o Itamaraty alimenta um notável desprezo pelo aliado mais antigo e fiel dos brasileiros no continente europeu, Portugal.

Jair Bolsonaro deixou o português Marcelo Rebelo de Sousa, um dos raros chefes de Estado europeus a viajar a Brasília para a sua posse, com a mão no ar. O seu governo nunca se interessou em atribuir a Portugal o papel de mediador entre o Brasil e a Europa. 

Tampouco recorreu aos diplomatas lusos para administrar o caos venezuelano. 

Com uma população de 50 mil migrantes no país, Portugal possui uma pouco conhecida, porém considerável influência nas terras do ditador Nicolás Maduro.

O Brasil também tem assistido passivamente ao reatar das alianças dentro do mundo lusófono. Para citar apenas um exemplo, Portugal e Angola recentemente anunciaram planos para operações de paz em conjunto sob a égide da Organização das Nações Unidas.

Existem vários motivos para o esfriamento das relações entre Brasil e Portugal. Virado para o Centro-Oeste, alinhado aos Estados Unidos e identificado com os evangélicos, o Brasil de Bolsonaro renega o Brasil lusitano, costeiro, católico e latino.

Politicamente, o bolsonarismo tem tudo para abominar o assumidamente globalista governo português, uma aliança da centro-esquerda, defensora da integração europeia, aberta aos migrantes, à diversidade, ao consumo da maconha e, pasme, rigorosa no controle das cadeirinhas de crianças.

Os portugueses, do seu lado, veem em Bolsonaro o estereótipo do "macho ibérico", o tipo truculento que triunfava na miséria da ditadura salazarista. O Portugal colonialista e escravocrata de 50 anos atrás teria se apaixonado por Bolsonaro.

O de hoje não consegue vê-lo "pintado em ouro", para usar uma expressão local. Prova disso, os candidatos a "Bolsonaros portugueses" fracassaram redondamente nas eleições europeias de maio.

Curiosamente, o distanciamento da ideia de nação dos dois países irmãos acontece num momento de profunda transformação do fluxo migratório. Longe vão os tempos em que o brasileiro era "o professor de capoeira" e o português, "o dono da padaria".

Os estereótipos mudaram depois da crise financeira de 2008, que levou ao Brasil um contingente de portugueses altamente qualificados e trouxe para Portugal uma geração de empreendedores brasileiros frustrados com os rumos do país.

Lisboa é a "nova Miami" onde os migrantes brasileiros trocam o sonho americano, complicado pela política migratória de Donald Trump, pela realidade portuguesa do salário mínimo e dos direitos básicos garantidos. Lisboa também é o "Brasil livre" onde se instalam e prosperam intelectuais e artistas. Mais distantes do que nunca em termos políticos, brasileiros e portugueses nunca puderam contar tanto um no outro para engrandecer a cultura luso-brasileira.

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