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Empresa de obra do metrô repudia vídeo sexista que culpa funcionárias por acidente

Montagem com imagens de mulheres que atuam na construção é misógina e desrespeitosa, diz Acciona; Eduardo Bolsonaro postou material

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A empresa espanhola Acciona, responsável pela construção da linha 6-laranja do metrô, repudiou um vídeo de teor sexista, espalhado em redes sociais, que atribui à participação de mulheres na obra o acidente que abriu uma cratera na marginal Tietê e interditou a via.

"A companhia considera o conteúdo misógino e extremamente desrespeitoso com nossas colaboradoras", afirmou a Acciona em nota enviada à coluna.

Um dos que compartilharam o vídeo é o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Perfis bolsonaristas usaram o material para atacar o governo João Doria (PSDB), que concedeu à construtora a obra e a operação da linha 6-laranja do metrô.

A montagem utilizou trechos de um filme institucional publicado no YouTube pela Acciona em dezembro de 2020. O material original exaltava a participação de mulheres no empreendimento, destacando a contratação de engenheiras para o canteiro de obras e de outras profissionais envolvidas diretamente nos trabalhos.

Na versão feita agora, para relacionar o rompimento na pista à participação feminina e questionar a competência das profissionais unicamente por causa do gênero delas, imagens e falas de entrevistadas foram tiradas de contexto e ridicularizadas.

A Acciona disse que "lamenta profundamente o teor dessa videomensagem que circula em redes sociais" e que "estuda as medidas judiciais cabíveis ao caso".

O Crea-SP (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo) também emitiu nota em que repudia o ataque e afirma que "atos como esse não serão tolerados".

Com a edição, cenas do desabamento parcial da pista da marginal e do vazamento de esgoto foram inseridas entre depoimentos de empregadas da Acciona. Nas falas de 2020, elas destacavam o fato de a construção ser "um projeto grandioso, a maior obra de infraestrutura do Brasil no momento" e uma obra que "vai beneficiar muita gente em São Paulo".

A versão compartilhada por Eduardo Bolsonaro, semelhante ao vídeo que já estava circulando em redes sociais e grupos de WhatsApp, foi ainda acompanhada de uma trilha sonora que busca dar viés humorístico ao material.

O filme divulgado pelo deputado no Twitter incluiu ainda trecho de uma entrevista do governador Doria e imagens do tucano dançando em eventos públicos —a família Bolsonaro rivaliza com Doria na arena eleitoral e endossa ataques de cunho pessoal contra ele.

O parlamentar escreveu na postagem: "'Procuro sempre contratar mulheres', mas por qual motivo? Homem é pior engenheiro? Quando a meritocracia dá espaço para uma ideologia sem comprovação científica o resultado não costuma ser o melhor. Escolha sempre o melhor profissional, independente da sua cor, sexo, etnia e etc".

Em resposta ao post de Eduardo, o secretário nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciuncula, escreveu: "Brincar de lacração colocando vidas em jogo, que absurdo!".

Já a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), que é alinhada o bolsonarismo em vários temas, contestou a publicação do filho do presidente e sugeriu que ele a deletasse.

"Deputado, o senhor é pai de menina. Está sendo injusto com as moças. Vamos aguardar apurar responsabilidades. Quer criticar o Doria? É da política e da democracia, mas essa postagem é desnecessária. Lembra quando sua esposa foi desrespeitada e exposta no trabalho? Melhor apagar", escreveu.

Outras edições semelhantes que passaram a circular depois do acidente, na terça-feira (1º), e foram compartilhadas por perfis alinhados ao bolsonarismo e críticos a Doria, continham ainda expressões em texto na tela, em tom de ironia e preconceito.

Sobre a fala de uma das funcionárias da Acciona de que era "uma das várias mulheres que compõem o time da Acciona", apareceu a pergunta: "PQP tem mais ainda? :/".

Também na montagem, uma foto de três profissionais mulheres diante de uma placa com o nome da empresa foi acompanhada da legenda: "As grandes guerreiras!". E, quando uma entrevistada diz que "a maioria das mulheres hoje estão na obra de infraestrutura", é inserida a frase: "Tá explicado...".

No momento em que outra contratada, uma engenheira agrimensora, afirma que "tem uma barreira na engenharia em relação às mulheres", aparece a questão: "Por que será, né?".

Efeitos de imagem e som usados com fim de ironia também foram aplicados no momento em que uma engenheira de planejamento ressalta, na gravação de 2020, "o impacto que ela [a obra] vai ter na cidade". A frase dita pela mulher na sequência, de que "é um sonho" participar de algo grandioso, é replicada com a frase na tela: "Não, amiga. É um pesadelo", com novas imagens do acidente.

"Obrigado, meninas. A população de São Paulo agradece" é a frase que encerra a montagem.

As falas, originalmente, celebravam a presença feminina na construção do metrô. Uma das entrevistadas que tiveram a imagem usada na montagem, do setor de recursos humanos, disse que procurava contratar mulheres para obras de infraestrutura. Outras participantes também tiveram rosto e nome expostos.

Em redes sociais, comentários criticaram a política de contratação de mulheres, vinculando o programa de igualdade de gênero ao acidente ocorrido nesta semana. A cratera se abriu na pista local da marginal Tietê em decorrência do rompimento de um coletor de esgoto que passa ao lado do local.

No fim da tarde desta quinta-feira (3), foi liberada a pista central da marginal, que estava interditada desde a manhã de terça e recebeu uma intervenção para concretagem. Com o despejo de 4.000 m³ de concreto, o equivalente a 650 caminhões betoneira, e 12 mil m³ de pedras, o buraco foi coberto.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) também se aproveitou do acidente para fazer piadas e atacar indiretamente a gestão Doria. "Semana que vem a gente conclui a transposição do [rio] São Francisco. Em São Paulo, eu vi a transposição do Tietê", disse o presidente, entre risos, a apoiadores.

Procurado, o Governo de São Paulo não comentou a menção ao governador no vídeo de tom sexista.

O Crea-SP disse, em defesa das profissionais ligadas à Acciona, que "não compactua com condutas preconceituosas, que incitam a circulação de informações falsas e o desrespeito". Afirmou ainda manifestar "todo o seu apoio às profissionais mulheres".

Como mostrou a coluna Painel S.A., a Infra Women Brasil, organização de mulheres fundada em 2020 para defender a diversidade de gênero no setor de infraestrutura, também se mobilizou contra a divulgação do vídeo de caráter preconceituoso.

A espanhola Acciona é a empresa que assumiu em 2020 a PPP (parceria público-privada) com o governo estadual para a construção da linha-6 laranja. A companhia é sócia majoritária da concessionária Linha Uni, dona da operação da futura linha de metrô até 2044.

No vídeo original, publicado pela companhia em 2020 para salientar a presença de mulheres na área de infraestrutura, a abertura da linha-6 foi descrita como não somente uma grande obra, mas também "um projeto onde a diversidade e o impacto social são aspectos essenciais".

Leia a íntegra da nota da empresa Acciona:

"A Acciona, como uma empresa que tem o respeito à diversidade como um dos pilares de sua política de ESG, lamenta profundamente o teor dessa videomensagem que circula em redes sociais. A companhia considera o conteúdo misógino e extremamente desrespeitoso com nossas colaboradoras. A Acciona tem programas especiais de estímulo à contratação de mulheres, inclusive na área de construção, e se orgulha dos seus profissionais. A empresa estuda as medidas judiciais cabíveis ao caso."

JOELMIR TAVARES (interino), com LÍGIA MESQUITA, BIANKA VIEIRA e MANOELLA SMITH

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