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Programa para negros na magistratura rompe lógica simplista para cotas, diz secretária-geral do CNJ

Adriana Cruz afirma que criação de bolsas para concursos para juízes reflete amadurecimento institucional

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A secretária-geral do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Adriana Cruz, afirma que o programa de bolsas de estudos criado pelo órgão para incentivar a participação de negros e indígenas em concursos para juízes é uma política disrupitiva —e que ela poderá levar o debate sobre cotas raciais a outro nível no país.

Criado sob a liderança do presidente do CNJ, Luís Roberto Barroso, o Programa de Ação Afirmativa para Ingresso na Magistratura já arrecadou cerca de R$ 5 milhões de empresas interessadas em colaborar. Nesta semana, o órgão lançou um segundo edital para novas pessoas jurídicas interessadas em colaborar.

"É uma janela de oportunidade muito potente", afirma Cruz, que é também juíza federal. "A gente está num ponto de amadurecimento institucional desse debate para dar esse salto. O CNJ vem monitorando a questão da participação de pessoas negras não é de hoje", completa ela.

A juíza federal e secretária-geral do CNJ, Adriana Cruz, em Brasília - Folhapress

A primeira etapa de captação de recursos reuniu doadores como Itaú, Globo, Ifood, Cosan e Ambev. A Rede D’Or e a Hapvida, que devem aderir ao novo edital, já apresentaram uma proposta de doação de R$ 600 mil para o projeto.

A primeira chamada para doações funcionou como uma espécie de "termômetro" para aferir o engajamento no projeto. A resposta do setor privado foi considerada positiva e animou os quadros do CNJ envolvidos na elaboração do programa.

De acordo com o Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário publicado pelo CNJ no ano passado, apenas 1,7% dos magistrados identificam-se como pessoas pretas. Outras 12,8% dizem ser pardas, e 83,8%, brancas.

"Quando o CNJ fez o primeiro censo da magistratura em 2013, ficou muito explícito que aquilo que a gente olhava, e que empiricamente percebia, se traduzia em números. O problema foi para a mesa. Temos, efetivamente, uma questão de participação de pessoas negras", afirma a secretária-geral do órgão.

Barroso se envolveu pessoalmente e conversou com representantes do setor privado sobre as bolsas. O magistrado já havia feito um diálogo semelhante em 2020, quando presidiu o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e viabilizou o envio de milhões de máscaras e outros equipamentos de proteção a seções eleitorais durante a epidemia de Covid-19.

Cruz afirma que, inicialmente, o plano é disponibilizar uma ajuda de custo no valor de R$ 3.000 para cem bolsistas, ao longo de dois anos. O prazo e número de beneficiados podem ser ampliados de acordo com os recursos recebidos.

O valor de R$ 3.000 foi estabelecido a partir de estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que calculou o custo para participar de um concurso para a magistratura, considerando gastos com cursinho, material didático e deslocamentos.

A gestão dos recursos do programa está a cargo da FGV (Fundação Getúlio Vargas), que também será responsável pelo edital do processo seletivo para os bolsistas.

A secretária-geral do CNJ diz que as bolsas exigem a elaboração de critérios específicos para a seleção dos beneficiados, e que uma fórmula inédita está sendo pensada.

Ela explica que pessoas que fazem concurso para a magistratura já estão inseridas no mercado de trabalho —a experiência profissional é um dos requisitos para o cargo— e não vivem, necessariamente, em um cenário de extrema vulnerabilidade econômica.

"A ideia de hipossuficiência aqui não é a de uma pessoa miserável. É um recorte diferente, de uma pessoa que precisa daquele último empurrão", diz. "A gente sabe que, em uma família que recebe R$ 3.000, a pessoa não tem condição de gastar R$ 3.000 por mês para estudar e se preparar [para um concurso de magistrado]", explica.

"É muito disruptiva essa política que o ministro Barroso está propondo. Ela rompe uma lógica simplista de um problema que é muito complexo. Lá atrás, quando se discutiu as cotas raciais [nas universidades], foi uma discussão importante, mas ela não abrange todas as dimensões. E para furar esse bloqueio na magistratura, você precisa trazer elementos mais complexos, porque senão a coisa fica muito na teoria."

A secretária-geral ainda destaca que o custo para subir na carreira é muito alto no Judiciário, e que muitas vezes o contexto econômico e a rede de contatos em que os candidatos estão inseridos influenciam diretamente as suas trajetórias.

"Quem está imerso no mundo jurídico, tem o pai, o irmão, o tio [atuando na área], tem um capital não contabilizado. É saber como você vai para uma entrevista, onde procurar um estágio, como se portar naquele ambiente. São essas regras não escritas que também vão criando dificuldades. Tudo isso aprofunda a necessidade da política pública direcionada para diminuir essas diferenças", afirma ela.

A secretária-geral diz que o programa de bolsas foi um dos projetos tidos como prioritários pela gestão de Barroso assim que o ministro chegou à presidência do órgão, no segundo semestre do ano passado.

Antes disso, porém, Cruz já estava envolvida diretamente no debate institucional por meio do coletivo Enajun (Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros).

Em 2020, depois da morte de George Floyd nos EUA, a magistrada foi convidada a participar de um grupo de trabalho iniciado na gestão do ministro Dias Toffoli —que presidiu o STF (Supremo Tribunal Federal) e o CNJ entre 2018 e 2020— e concluído sob a gestão de Luiz Fux, que ocupou as duas presidências entre 2020 e 2022. O articulação resultou na sugestão de 22 medidas para enfrentar a questão racial no Judiciário.

"A instituição dessa política [de bolsas] sublinha um momento de amadurecimento institucional, de compreender que não basta a gente dizer que existe racismo. É o que [a escritora] Grada Kilomba fala: você tem que reconhecer, mas você tem que agir e prospectar para que as coisas comecem a ser diferentes", diz Cruz.

SOM

A cantora Alice Caymmi usa figurino assinado por João Pimenta, com styling de Paulo Martinez - Divulgação

A cantora Alice Caymmi vai lançar a versão deluxe do álbum "Rainha dos Raios, a Fúria" em 15 de agosto. Um dia antes, ela estreia uma temporada de shows no Teatro Oficina, em São Paulo. As apresentações serão dirigidas por Paulo Borges.

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

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