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Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

Submarino ataca o Plano Diretor

Com o PDE alterado, a habitação social em áreas bem localizadas e a mobilidade sustentável perderam a prioridade

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Na surdina, sem debate público, utilizando um projeto de lei estranho ao assunto, manipulando os movimentos de moradia, promovendo audiências públicas convocadas na véspera e sem apresentar o texto que iria para votação, a Câmara Municipal de São Paulo demonstrou que não tem compromisso com a participação da sociedade e com o futuro da cidade.

Introduzindo submarinos no projeto de lei 513/2019, que trata de melhoramentos viários na Vila Maria, Cachoeirinha e Mooca, os vereadores (com o aval da gestão Covas) alteraram, irregular e pontualmente, o Plano Diretor Estratégico (PDE), uma referência de planejamento urbano inclusivo e sustentável, premiado pela ONU-Habitat como um dos melhores exemplos da Nova Agenda Urbana.

Ao invés de comemorar os cinco anos de sanção do PDE, a Câmara aprovou uma lei repleta de ilegalidades, que descaracteriza o instrumento. Por isso, precisa ser vetada pelo prefeito ou anulada pela Justiça.

Os quatro primeiros artigos, que integravam o original PL 513/2019, tratam de melhoramentos viários. Os demais, inseridos em substitutivo cuja última versão chegou ao plenário 40 minutos antes da votação, tratam de assuntos sem relação com o PL original: isenção fiscal e plano diretor.

Os artigos 5º ao 8º isentam de IPTU e ITBI terrenos onde foram implantados projetos de habitação social. Apesar do vício legislativo e da falta de debate com a sociedade, no mérito, a proposição é correta.

Foi incluída nesse melê legislativo para atrair o apoio dos movimentos de moradia, que reivindicavam o benefício, e angariar o apoio da oposição, que votou com o governo.

Já o 9º artigo, que altera a o PDE (Lei 16050/2014), além de extemporâneo e ilegal, é totalmente equivocado no mérito, pois desvincula os recursos do Fundurb (oriundos da outorga onerosa, ou seja, do mercado imobiliário) dos objetivos estratégicos do planejamento da cidade.

As ilegalidades são diversas. O principal instrumento de desenvolvimento urbano, como o Estatuto da Cidade conceitua o Plano Diretor, não pode ser alterado pontualmente por um submarino em um PL que trata de outro tema. Isso só seria possível em uma revisão abrangente, prevista para 2021.

A revisão deve ser precedida de estudos de seus resultados e impactos, e debatida, com transparência e publicidade, em um processo equivalente ao realizado em 2013 e 2014, quando o Executivo e o Legislativo promoveram centenas de oficinas e 114 audiências públicas.

A mudança retira a prioridade de dois objetivos centrais do PDE: a habitação social em áreas bem localizadas e a mobilidade sustentável (transporte coletivo, rede cicloviário e de pedestres).

O PDE determina que 30% dos recursos do Fundurb sejam destinados para a aquisição de imóveis bem localizados para a habitação social e outros 30% para a mobilidade sustentável.

Assim, o PDE garante recursos extraorçamentários para mudanças estratégicas no modelo de desenvolvimento urbano da cidade, baseado no automóvel e na localização periférica da habitação social, ganhando efetividade.

A alteração elimina esse avanço, ao permitir que os recursos do Fundurb possam ser usados em qualquer melhoria em vias estruturais e em qualquer ação habitacional.

Retira-se o foco na aquisição de terrenos (incluindo edifícios vazios e ociosos) que é o ponto de partida para uma produção habitacional massiva em áreas bem localizados.

A alteração pretendida coloca na lei o que a gestão Doria/Covas já vem fazendo, como se vê na tabela. A partir de 2017, o Fundurb vem deixando de cumprir os percentuais mínimos de 30% estabelecidos no PDE, limitando-se, em 2018, a 5,2% em habitação e 17% em mobilidade.

FUNDURB – Recursos aplicados em mobilidade e habitação em relação ao total arrecadado

  Arrecadação do Fundurb (em R$ milhões) % destinada à Habitação % destinada à Mobilidade 
2015 265,5 28,4% 43,09%
2016 231,4 30,0% 31,0%
2017 232,0 16,6% 17%
2018 431,4 5,2% 17%

Fonte: Sistema de Orçamento e Finanças - SF, Relatório de Prestação de Contas anual do FUNDURB

 

Isso mostra que a atual gestão não está priorizando objetivos do PDE. Em 2017 e 2018, o investimento do Fundurb na rede cicloviária foi zero e na circulação de pedestres foi 0,6% do arrecadado.

Em relação à habitação, os R$ 138 milhões que deixaram de ser gastos na aquisição de imóveis (diferença entre o mínimo legal e o aplicado) seriam suficientes para comprar parte significativa dos edifícios ociosos, muitos ocupados pelos movimentos de moradia, que serão prejudicados pela alteração pretendida.

Se isso for para frente, fica prejudicada a estratégia traçada pelo PDE para construir uma cidade mais sustentável e menos segregada.

Erramos: o texto foi alterado

O projeto de lei que trata de melhoramentos viários em Vila Maria, Cachoeirinha e Mooca​ é o PL 513/2019, e não 512/2019, como afirmado em versão anterior desta coluna. O texto foi corrigido.
 

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